Minha história sobre assassinos - Parte 1

Decifrar um sofrimento é tarefa difícil mesmo para aqueles mais crédulos em Deus.

Ele começa do nada, vai se apossando das forças físicas, da vontade e do dispor. Aos poucos vai dominando a mente e o dia fica nublado, frio e silencioso. Com o tempo rouba todo o prazer, trás amargura, angustia e te leva para um estado nostálgico, mistura de raiva e ódio.

Não há medicamentos que resolvam, o processo é de declínio. Você sente a cada dia que seu corpo está tombando, como se fosse possível cair morto a qualquer momento.

Tudo é sem graça, nada tem sentido, as tarefas diárias são feitas no improviso com um toque de má vontade e insatisfação.

Você quer ficar deitado, dormir o máximo possível. Sonhar mais do que viver. Quer estar em outro mundo que não seja este.

O motivo você sabe, mas a compreensão do que ocorre não há. Você sente que sofre, sente que a um vazio no peito, sente-se um estranho e assimila a vida com a morte.

É 1 mês, são 2 meses, 3 meses, 4 meses, 5 meses, um semestre; e nada. A dor continua a mesma, e você cava mais, você vai mais fundo. E quanto mais desce, mas o sofrimento atenua, até se postar no desespero. Você já não sabe definir respeito, tolerância e amistosidade. O egoísmo se apossa de todas as áreas de seu pensamento, o que procura é se livrar dos males custe o que custa. Perde a paciência dos pais, as amizades que não te agüentam e não querem entender, perde o gosto das relações sociais. Aos poucos, vai perdendo tudo a sua volta. Não quer sair, não quer fazer, não quer se movimentar. Permanece num estado de coma profundo, quase perto das trevas.

O vazio é preenchido pelo escuro, onde você caminha cego, inquieto e indeciso. Sem placas de direção, sem rumos, sem local de chegada. Seus objetivos são despedaçados.

O perspectivismo fica nas filosofias que você leu no passado, porque você já não tem mais nenhuma, quanto menos duas.

A indiferença é sua personalidade, não dá a mínina para nada: TV, computador, filmes, livros, amizades, família, sexo... nada.

Recorda das piores leituras, dos piores pensadores, das péssimas poesias, das lástimas dos outros. A revolta invade pela criação de outro personagem em sua vida, que logo tomará seu corpo e será você.

Você representa um alguém que não tem nada a perder, quer vingança sem ter alvo para se vingar. Já não reconhece culpa. Seu pensamento é expressão de ódio. Você beira a destruição dos outros ao mesmo tempo em que se está destruindo.

Não formula planos, o futuro é estragado, é movido por impulsos, não há espaço para a racionalidade. Você pensa nas focas mortas e isso não te toca. Pensa no dia em que sua mãe estava no leito de morte e isso já não quer dizer nada. Sente inveja das pessoas próximas que morreram. Agora possui um objetivo: morrer.

Matar-se não é a solução, você quer morrer sem saber como. É tomado pela violência em todos os aspectos, está fraco, mas pensa no forte. A imagem de Deus não é você. A ternura e alegria não fazem parte do vocabulário. Você quer destruir tudo.

Você começa primeiro com os horários. Não tem hora para acordar, para comer, não existe agenda mental para te dizer nada. Perde o emprego, foda-se os estudos, você não precisa de mais nenhuma projeção.

Vêm os valores, que se danem. Arruma briga no ônibus porque alguém te esbarrou. Chuta uma criança que estava em seu caminho e sente mão quente em sua cara de um pai indignado. E na primeira dor consegue saciar seu espírito de maldade. Você ri no chão ao experimentar um novo tipo de dor. Enxerga que ali chão são seus minutos, banhado de sangue que escorrem pelo seu nariz. Com os dentes vermelhos ri. Encontra-se.

Levanta-se e toda aquela força que antes tinha se dissipado, agora retorna em acumulo. Você não é o super-homem, não é um ser que se encontra em gibis. Você é mortal de carne, que pode ser cortada e furada, e osso, que podem ser estraçalhados. E saber disso te deixa mais calmo. Você vira um animal sem limites. A dor é a anestesia, a violência é a adrenalina. Você não bate, espanca. Aquela ficha suja na polícia vem a seus olhos pegando fogo, você está pouco se ferrando para as viagens que nunca mais irá fazer e para os empregos que nunca mais irá ter. Isso não faz sentido em seu mundo. Percebe que aquilo é só o começo e não quer estragar sua linha da vida que pode te proporcionar mais momentos daqueles. Foge na fúria.

Daí para frente acabaram-se os impedimentos. Não há alertas nem pare.

Em seu antigo fornecedor de drogas, compra uma 9mm. Você não sabe nada de armas, mas sente uma afinidade. Puxa aquilo que você chama de “ferro que fica em cima”, engatilha e puxa aquilo que você chama de “alavanca do dedo”. Tem um semi prazer porque estava sem “balas”.

Carrega todo pente e pensa que 8 balas não são suficientes. Você quer ir até o motivo, quer saciar o motivo, você quer dar um fim ao motivo.

Saí de casa, pega um ônibus, metro, caminha. Tudo isso numa calma mórbida. Percebe que esta perto, seus pensamentos são esvaziados por passagens daquilo que um dia foi o passado, como se tudo do antes estivesse saindo de sua cabeça para nunca mais voltar. Quando chega ao destino, vê que aquilo não é um mero acaso, o portão aberto indica uma profecia. Entende que você nasceu para fazer aquilo, pensa que talvez esteja escrito na bíblia, no alcorão e nos mantras sagrados. Passa pela porta e encontra os seres mais odiáveis de sua vida. Eles olham com espanto para sua cara, sem entenderem nada não esboçam reação.

Você se aproxima com a mão debaixo da blusa e saca sua arma, sem hesitar dá o primeiro tiro na cabeça de um pai, a gritaria se expande pelo local. Eles não correm, gritam. O segundo tiro vai ao peito de uma mãe, assim como o terceiro, quarto e quinto. E quando você mira para uma filha de alguém, pára. Sua mente não lúcida, invadida pela loucura, pára por uns instantes. O tempo fica devagar, o mundo está em câmera lenta. Na cara de desespero você enxerga um sorriso. Uma luz vem até ela e você vê um sorriso. Ela está caminhando até você, ela está chegando perto, ela está a sua frente com a arma apontada para cabeça. Você chora, como nunca tivesse chorado antes. Ela move a mão até sua face e limpa seu choro, coloca a mão em seu queixo suavemente e você ouve: “Estou preparado!”.

Você abaixa a arma e muda a mira lentamente para sua têmpora. E quando pisca, tudo vai embora e vê dois corpos ensangüentados ao chão com ela chorando em desespero. E diz:

- Estou preparado!

Plínio Platus
Enviado por Plínio Platus em 28/09/2009
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