A vida de certo jovem

Após lavar a louça do jantar, certo jovem se escondeu em seu próprio mundo. Deitou-se na cama de lençóis surrados e durante algumas horas passou a querer entender realmente o que era a sua vida. De olhos cansados, contudo atentos, ele observava o mundo ao seu redor. A cama nada macia parecia quebrar os seus ossos frágeis. Num canto, uma cômoda guardava seus farrapos de roupa. Sobre ela havia também um rádio, porta-retratos e alguns livros.

O que de fato ele queria? O que de fato ele tanto almejava? Negou-se por um momento a responder qualquer tipo de pergunta que acossava sua mente mórbida. Tentou dormir, fechou os olhos. Abriu-os, no teto uma teia de aranha, era exatamente assim que estava a sua alma: confusa, perdida em labirintos infinitos e eternos.

O jovem, então começou a chorar. Seus sonhos pareciam desaparecer em tempestades de areia. O coração, fonte de amor, estava morto, despedaçado como pétalas de rosas jogadas ao chão. O amor é áspero, árduo, nos faz sofrer, gemer, desistir. Seus dias eram de inverno rigoroso, seu grande amor não o chamava, não mais necessitava de sua presença.

- A vida é assim - ele pensava triste.

Não parou de chorar, as lágrimas continuavam inundando o seu rosto, seu semblante ameno. Quis fumar, mas não havia cigarro; quis beber, mas não havia bebida; quis amar, o amor é traição amiga. Rebelou-se, não acreditava na vida, não acreditava na sua existência. Ligou o rádio, a canção em seus ouvidos, desejou dançar. A música lhe fazia bem, seu espírito sentia um forte deleite, mas a tristeza ainda fazia morada em seu coração.

Desesperado, abriu uma das gavetas de seu armário, retirou a chave de sua moto. Não hesitou, saiu pela noite. A moto parecia um corcel selvagem correndo pelo asfalto quente. O vento lhe batia a face, seus cabelos negros e cheios esvoaçavam pelo ar. A liberdade o abraçava, o mundo estava em suas mãos.

Sorria feliz, o sentimento melancólico ia se dissolvendo a cada asfalto triturado pela sua potente moto. Por um momento, ergueu a cabeça, viu a lua em noite inspiradora.

- O mundo é meu! – gritava, sacudindo a cabeça.

Resolveu então matar, extinguir, dilacerar e desapontar de uma só vez a sua tristeza. Pensou na sua garota, na vida que se alongava para ele todos os dias, nos seus pais que o amavam, nos livros que lia, nas músicas que avivavam sua alma.

Continuou galopando em sua moto, subiu uma ladeira, uma visão única, deslumbrante: a cidade vista do alto. Os prédios iluminados eram semelhantes a lanternas fincadas ao chão. A solidão em barras de concretos. Sentiu medo no espírito.

A noite seguia, a moto furiosa encravava suas duas rodas crucificando as ruas da cidade deprimente.

- Quero voar...

Era necessário voar, quem voa alcança os horizontes, enfrenta os perigos ocultos.

- Eu sou vencedor - pensou ele, enquanto sua moto sinuosa driblava os outros carros. A velocidade o excitava, no entanto, ele sentiu necessidade de respirar, o vento gelado cortava sua carne, engolia seu tédio.

Dobrou feroz a esquina. Deparou-se com o porto. Sim, o porto da cidade. A cena o emocionou. Soturno, largou o seu corcel motorizado. Caminhando em passos curtos, o jovem se sentia como um daqueles navios ancorados no cais. A necessidade de navegar, mesmo sem saber para qual destino seguir, o estimulava a ganhar a vida. O universo preso em seus dedos, tudo que ele gostaria de ter.

Sentado sobre um caixote, avistou o misterioso movimento do espelho negro que refletia as luzes do céu. O mar, estrada de lágrimas, volúpia dos navegantes. O horizonte acolhia alguns retalhos de nuvens, nos navios, marinheiros a bordo. Os sentimentos naufragando com os sonhos.

A tristeza voltara. O medo do futuro não importava. Olhou para dentro de si, apenas a escuridão da noite. De olhos cerrados, ouviu o seu nome o mar soletrar, delírio, eram as águas, indo e vindo para o mesmo lugar.

Mayanna Davila Velame
Enviado por Mayanna Davila Velame em 14/10/2009
Código do texto: T1866523
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