A menina e o homem

A menina e o homem

Estou com medo de ir para a escola sozinha. Foi o que ela disse quando perguntei se não estava atrasada. Como poderia ter medo? Já estava com treze anos, ia para escola sozinha desde os nove. É tão perto. Nem um quilometro por ruas tranqüilas e sem movimento desta pacata cidade do interior. Sem falar no sossego que uma mãe pode ter aqui. Há mais de quatro anos que não temos noticias de um caso qualquer de violência, nem mesmo um roubo de chicletes na padaria.

Vai para escola sozinha sim! Onde já se viu uma coisa dessas? Medo? Às sete horas da manhã? Ora, faça-me o favor. Empurrei a menina a força na porta de casa e mandei-a ir para escola. Fiquei olhando até que ela dobrasse a primeira esquina.

Ao meio-dia, quando chegou, estava chorando. O que aconteceu? Foi o que perguntei.

Ela contou que um homem havia saído do bar do seu Manuel e a chamou oferecendo balas.

E você não aceitou, não é mesmo?

Aceitei – continuou ela ainda soluçando – mas ele disse que só me daria as balas se eu fosse com ele até sua casa. Chegando lá ele me beijou a força. Depois me agarrou, beijou meu pescoço, veja as marcas. Ele abriu uma das balas, colocou na boca e pediu que eu a retirasse com um beijo. Ele me forçou, eu juro. Ele então me beijou e colocou a mão por dentro do meu vestido.

Olhei a pequena mancha vermelha em seu pescoço. Fiquei assustada. Preciso sabe quem é, onde mora?

Eu não sei.

Mas você não foi até a casa dele?

Fui, mas não lembro onde era.

No dia seguinte levei a menina para escola. Paramos em frente ao bar do seu Manuel. Perguntei se ele estava lá dentro. Nada. Fiz o mesmo no horário da saída quando fui buscá-la. Nada do tal homem. Foi assim durante toda a semana.

Na semana seguinte deixei que a menina fosse sozinha para escola novamente. Na hora da saída nada dela chegar. Fiquei preocupada, esperei por quase duas horas, depois decidir ir até a escola. Nada da menina. Na secretária informaram que ela esteve na aula no período normal e sai no horário certo. Na volta parei no bar do seu Manuel. Ninguém viu a menina. Corri para casa e lá estava ela, deitada no sofá de banho tomado.

O que aconteceu?

Encontrei aquele homem de novo.

Onde? Como? O que ele fez?

Ele me levou para o mato. Ele me pegou pela mão e me levou até aquele terreno baldio atrás da escola.

E o que ele fez? Diga logo menina.

Ele me beijou. Abaixou minha saia e tirou a minha calcinha. Disse que ia guardar de recordação.

E o que mais ele fez?

Mais nada mãe.

Isso não pode continuar.

Peguei a menina pelo braço levei-a até a única delegacia da cidade. O delegado registrou o boletim de ocorrência e abriu um inquérito policial. O escrivão tomou o depoimento da menina. Assustei-me com a descrição que ela deu.

Ele é alto e forte. Moreno, mas não negro. Tem cabelos lisos até os ombros. Olhos verdes. Uma tatuagem no peito e outra no braço. Usa um brinco de argola numa das orelhas. Está sempre de shorts curto e sem camisa.

O delegado olhou para o escrivão. Comentou algo sobre não se lembrar de alguém com tal descrição na cidade. Eu também nunca vira um sujeito assim no bar do seu Manuel, na maioria das vezes em que passo em frente, são sempre os mesmos que estão bebendo por lá.

Voltamos para casa.

Quando a noite chegou coloquei a menina em seu quarto para dormir e fui tomar um banho. Quando sai do banheiro ouvi gemidos vindos do quarto. Fiquei assustada, abri a porta devagar para que ela não percebesse. Tomei um susto quando vi minha menina nua na cama, gemendo e suando muito, contorcendo-se com as mãos a acariciar o próprio corpo.

O que está acontecendo aqui? Gritei.

Ela num susto puxou o cobertor e apontou a janela aberta:

Ele estava aqui mamãe, acabou de sair pela janela, nesse momento.

Corri para janela, olhei a rua deserta iluminada pela luz da lua.