( Parte final )

A menina sabia seus hábitos parcialmente, a hora de dormir quando a luz do primeiro andar se apagava, por exemplo. Certa noite acordou, olhou para cima como sempre fazia e viu labareda na cortina, pela janela aberta. Inteligente e acostumada com a rua, sabia o número dos Bombeiros e ligou.

O homem está muito queimado em uma cama de um rico hospital. Foram muitos dias de sofrimento, as feridas não cicatrizavam. Nu, ele passava dias à base de soro, fortes analgésicos, tranqüilizantes e ansiolíticos.
Um dia, um dos seus amigos lhe disse que do lado de fora estava a menina que salvou sua vida e que ela pedia para vê-lo.
– Que menina?
- Ela diz que dorme na escada de sua casa e que você a conhece.
- De novo esta menina? Já não basta estar aqui, deste jeito e ainda sou perseguido por ela? Que criança mais desagradável, murmurou.
- Mas foi ela quem ligou para os bombeiros, você sabia?
- Não quero falar sobre este assunto, quero ficar sozinho.

Dias se passaram até que o homem voltasse à sua mansão. Dois enfermeiros cuidavam dele e lhe davam a notícia pela manhã:
- Uma menina dorme todos os dias na escadaria da casa, o senhor sabe disto? Ela manda dizer que está rezando por sua saúde.
- Não quero saber disto, não me falem nada a respeito.
Os serviçais não mais falavam dela.

O homem voltou ao trabalho e, ao sair de casa não viu a garota. Nem nos dias seguintes. Algo o afligia e teve a coragem de perguntar ao mordomo:
- Você tem visto uma menina dormir na porta desta casa?
- Ela nunca mais veio, senhor. Soube que foi atropelada e está muito mal no hospital público perto daqui.
O homem sentiu um desconforto inigualável e pensou nela durante todo o dia. Seu coração estava descontrolado, a pressão instável, o humor que não era bom, tornou-se insuportável. Não resistiu e um dia, foi ao hospital ver a garota.

Com o rosto vermelho, o corpo trêmulo viu aquele corpinho esquálido, pálido, a fisionomia de abandono e tristeza. Ficou ao seu lado até que a criança acordou.
A primeira frase que disse ao ver aqueles olhos tristes, foi:
- Menina, você quer ser minha filha?

Um abraço amoroso e cuidadoso uniu os dois.
Nada mais precisava ser dito.