O GURU

Da fronte do seu rosto luzes emanavam em tons variados, um verdadeiro furta-cor caledoscópico. A platéia que estava sentada a sua frente, espalhada em arco, assistia o espetáculo extasiada. O guru era famoso em todo o mundo e estava em sua primeira passagem pelo Brasil, prometendo milagres e verdadeiras transformações espirituais em quem fosse assistir suas palestras, pelas quais se cobrava uma quantia, que se dizia, simbólica, para custeio dos templos existentes nos quatro cantos do planeta. Uma quantia que alcançava fácil os quatro dígitos, o que não tornava suas sessões menos concorridas.

Falava sempre num dialeto do norte da Índia, e era traduzido por um discípulo nativo do local onde se encontrava. Aqui no Brasil o tema abordado era a nutrição auyédica a luz da teoria cromossomial microtrântica. Um título chamativo que muito impressionou o público, mas que poucos entenderam, na verdade, que ninguém entendeu, talvez por que não significasse nada mesmo.

O guru balbuciava, num tom de voz semelhante a de um doente terminal, algo incompreensível por um ou dois minutos, e o tradutor falava durante uns dez a quinze. _ Sifu anulargu na bicu dadoin auyédica samê.

E lá vinha a tradução:_ O mestre Dandarabuda Amajenba disse que o espírito em consonância com o cosmo absoluto se resume a um ser-nada indivisível, no qual o corpo físico, mal compreendendo sua ação junto ao inconcluso projeto espiritual de Shiva, corrompe as células metafísicas da membrana epitelial cromossomial, modificando o status de saúde do homem, restando para a retomada do equilíbrio tântrico da Kundalili, a purificação nutricional auyédica.

Murmurinhos na platéia, uma senhora com uma bata hindu e uma tatuagem de caveira no pescoço resume para o marido, um gordo headbanger, o teor da explicação:_ O que ele disse, Big Joe, é que se você continuar a comer carne porco no café da manhã e dois litros de uísque no jantar você vai enfartar. Big Joe, nada convencido, retruca: _ Qualé Janis, o cara é o maior porra louca enganador. “Equilíbrio tântrico da Kundalili”? A última vez que ouvimos algo semelhante nós estávamos numa orgia ao som de AC/DC.

O mestre hindu continuava sua preleção enquanto pétalas caiam sobre a platéia, e um cheiro inebriante de perfume invadia a sala de conferência. O guru parecia levitar alguns poucos centímetros do chão._ Mafã selenã Shiva assumnitã livu.

E lá vinha o jovem aprendiz do ser-nada indivisível:_ Dandarabuda diz que o estado vertiginoso do espírito do nada advém da luta incessante entre a completude celestial e a incompletude do rafiassumã, que nada mais é do que a celebração do último solstício em Sajaliturama, uma pequena ilha no sudoeste do Oceano Índico, onde as energias planetárias se concentram em torno do eixo negativo.

Mais murmurinhos. _ Viu Big Joe, você fica nessa de só pensar negativamente, nós nunca vamos alcançar a iluminação. O velho cabeludo não se torcia aos argumentos da companheira de noitadas sem fim._ Pomba Janis, o cara tá levando todo mundo no bico! Tem quarenta anos que eu escuto rock, dos Rolling Stones a Sepultura, só falando do capeta, sexo, drogas e mais uma porrada de troço proibido, e nunca tive nada a não ser umas bad trips por causa uísque batizado com caninha da roça. De resto foi só alegria. _ Ai Big, não sei o que faço contigo!!! Treplicava Janis já sem esperança.

_ Ayê tingá peletusáci iváshina. _ O mestre diz que a nossa busca pela felicidade encontra-se num misto de comodidade e ação pré-deduzida de caráter estético, aonde após a queima do incenso universal, sentimos a necessidade de ingerir as mazelas da culinária ocidental no anseio da completude não passível de realização autômata.

Os olhos do velho motoqueiro cabeludo desta vez brilharam, acendia-se na sua alma uma chama de longelíneas labaredas. Janis percebeu, a alegria estava exposta em um sorriso largo e franco. _ Big Joe, você alcançou a iluminação, você alcançou o Nirvana! Salve Dandarabuda! _ Que iluminação os cacete Janis! Só queria que você visse que esse guru não tá com nada, antes tu tivesse ido na Soraya, pelo menos ela é tua cartomante a anos. Ouviu o que ele falou? Ouviu? Que é pra gente dar um tapa na erva e depois comer um hamburgão pra rebater a larica. _ Que isso Big? Aonde você ouviu essa merda? _ Tá aí Janis, alto e claro. “Incenso universal”, “mazelas da culinária ocidental”, só cego não enxerga, o safado é o maior maconheiro! Janis teve que se curvar aos argumentos do old banger, o guru era um pilantra de primeira mesmo.

CEVDM