Ela estava linda naquela noite.

Ela estava linda naquela noite. Era casamento da mãe dela com um homem que minha sogra conheceu em Paris. Meu sogro, já falecido, olhá-la-ia descendo as escadas naquele vestido rosa com todo orgulho que um pai poderia ter por uma filha. Ela estava linda naquela noite. Eu estava tão hipnotizado pela beleza que Paula exibia que nem me mexia. Ela olhou para mim e sorriu, foi só então que percebi que devia estar parecendo um idiota com a gravata na mão com o nó por ser dado. Ela veio até mim, pegou minha gravata e começou a dar o nó. Seus olhos castanhos estavam concentrados no nó e não viam minha expressão ao olhá-la. Tão inocente e linda. Eu estava hipnotizado. Seus cabelos negros soltos e delicadamente penteados junto com o transe em que ela estava para dar o nó e fazê-lo bonito me fizeram lembrar o motivo pelo qual me apaixonei por ela. Ela estava linda naquela noite.

Quando ela terminou o nó e ajeitou a gravata a seu gosto, olhou para mim e percebeu minha admiração girou levemente o rosto em dúvida e perguntou: “O que foi?” eu respondi sem pensar: “Você está linda nessa noite.” E ela estava linda naquela noite. Ela corou e sorriu, me beijou e se virou. Os ombros nus que o vestido permitia estavam timidamente escondidos pelos cabelos corridos e enquanto ela saltitava feliz para pegar a bolsa eu me apaixonei novamente. Aproximei-me dela e a envolvi nos meus braços. Ela sorriu e alisou meus braços do cotovelo até a mão. Virou a cabeça o máximo que podia e eu a beijei longamente. Ela estava linda naquela noite.

A igreja de São Camilo era perto de nossa casa, ela gostava de caminhar, então decidimos irmos a pé. Calçada com um tênis e segurando os saltos na mão ela parecia um pouco ridícula, mas daquela maneira inocente e infantil que me fizera me apaixonar. Tranquei a porta pelo lado de fora e coloquei as chaves no bolso do paletó. Aquela noite estava fria e percebi que Paula tremia. A envolvi com o blazer sem ela pedir, protestou, mas insisti e ela aceitou. Esfreguei seus braços para esquentá-la até ser mandado parar. Conversávamos durante o caminho, mas apareceu-me um rosto conhecido, amigo, mas que não devia estar mais ali. Paula perguntou por que eu parei e eu não consegui responder. O rosto do pai dela estava refletido em uma janela a me observar. Uma mão abanando na frente de meu rosto me acordou do transe. “Fernando! O que foi?” perguntou Paula assustada. Passei a mão no rosto dela e respondi que achava que tinha esquecido de trancar a casa, mas que já havia lembrado que a tranquei. Ela me deu um pequeno soco no peito e continuou caminhando. O rosto sumira, mas tinha certeza do que vi.

Aproveitei que estava na igreja e rezei para alma de meu sogro. Paula veio me puxar pelo braço dizendo que a cerimônia ia começar. Das damas de honra ela era a mais bela. Acenou para mim timidamente, não querendo atrapalhar a cerimônia, mas também querendo atrair a minha atenção. Ela estava linda naquela noite. Voltei meus olhos novamente para os noivos e me surpreendi. Estava lá, atrás do padre, novamente me olhando. Meu sogro. Estaria ele amaldiçoando o casamento? Estaria ele abençoando? Seus olhos penetravam nos meus e não deixava me mover. Do beijo dos noivos, uma nuvem de pombas brancas foi solta e com elas foi-se a imagem de meu sogro. Paula veio logo atrás dos noivos que corriam para fora, para o carro que os esperava. Pegou-me pela mão e me puxou. Ela sorria feliz jogando arroz na mãe. Ela estava linda naquela noite.

No caminho de casa resolvi contar o que tinha visto. Ela parou e me olhou com olhos arregalados, lágrimas começaram a sair dos olhos dela enquanto ela pedia confirmação: “Papai?”. Abraçou-me fortemente. Ela estava linda naquela noite. Enquanto ela chorava em meu peito percebi um homem chegando. Maltrapido, zonzo, obviamente drogado. Sacou uma arma e disse algumas palavras que não entendi. Coloquei-me entre a arma e Paula enquanto ela paralisou-se de medo. Pedi para ele manter a calma, que ia pegar a carteira, mas no instante que pus a mão no bolso ouvi o disparo. Paula gritou. Eu não senti quando bati no chão, mas vi quando ele apontou a arma para ela. Tentei me levantar, juro que tentei, mas não conseguia. Então o ladrão começou a tremer freneticamente. Lentamente surgiu do nada uma figura familiar e amiga, mas que não podia estar ali. O ladrão gastou suas balas na figura que surgiu e quando essas acabaram jogou a arma e saiu correndo. Paula achava que ele tinha delirado. Ajoelhou-se perto de mim, desesperada ligou para uma ambulância. Suas lágrimas misturadas ao desespero e a tentativa de um raciocínio coeso para responder as perguntas da atendente caíram no meu rosto. Ela estava linda naquela noite.

Com muito custo facilitei, olhei-a e disse que estava tudo bem, que eu a amava muito. Paula me agarrou, mandou eu ter calma, que a ambulância já estava vindo. Acho que sorri, passei a mão em seu rosto e disse que ela estava linda naquela noite. Devagar minha visão escureceu. Logo ela desabou em prantos e gritava meu nome. Ela estava linda naquela noite.

Meu sogro estendeu a mão e me levantei. De longe a via chorando tentando reter meu sangue com as mãos. Chorei baixinho, odiei a ver ali daquele jeito. Desesperada, mas tão linda naquela noite. O pai dela veio até mim, suspirou fundo, acho que também chorava pela filha, colocou uma mão no meu ombro como a me consolar e disse: "Ela está linda nessa noite." E ela estava linda naquela noite.