Inara

(Dedicado a Déia Tuam, em sonho também estamos juntos)

Eu não esperava ficar nessa posição quando entrei pela primeira vez naquela cervejaria. Atacando meu próprio país, mas aquele homem baixo de bigode engraçado, mas de voz e retórica impressionantes me enfeitiçou. Ficava absolutamente alucinado ovacionando a cada pausa que ele fazia, eu e toda a Burgebräukelle. Sim, eu culpei os judeus pelo nosso mal, os odiava. A suástica era linda, os estandartes romanos, a águia... Herr Hitler.

Foi então que eu a vi. Enquanto queimava panfletos dos socialistas na rua, eu a vi. Ela era bela a mais bela das belas. Por um momento eu entendi o ideal ariano do Führer. Seus cabelos eram negros, seus olhos também, carregava um vestido para o outro lado da rua. Eu deixei meus companheiros terminarem o trabalho e fui me apresentar. “Felix Schneider, senhorita”. “Inara”. Inara. Um nome exótico para uma alemã, perguntei o que significava, mas ela não sabia. Era um nome que se repetia na família dela há gerações. Despedi-me sorrindo, apaixonado. Era uma bela dama.

Começamos a nos ver com freqüência. Levava-a para bailes e restaurantes. Riamos juntos, dançávamos, bebíamos, estava apaixonado. Entre as reuniões do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães e nossos encontros o tempo passou.

Um dia estava com um buquê de flores na mão esperando minha doce Inara. Ela chegou com lágrimas nos olhos. Eu a questionei. Disse-me chorando que soube que eu era do partido Nazista e eu confirmei. Aquele olhar contrariado que ela me deu, um misto de raiva e tristeza, ficou marcado na minha memória. “Felix... eu sou judia”. O choque me fez derrubar as flores. “Como você pode apoiar essas idéias anti-semitas? Eu achei que você fosse melhor que isso!”. Ainda pasmo e petrificado não ousei uma resposta. Ela foi embora e eu não sei quanto tempo fiquei ali parado.

Depois desse dia, quando escutava o discurso de Hitler sobre os judeus, meu peito estremecia. A Sturmabteilung atacava diariamente os judeus, as sinagogas. Pessoas estavam morrendo. Eu temia pela minha doce Inara. Quanto mais eu ouvia, desde então, o discurso anti-semita de Hitler mais eu percebia sua loucura. Estava eu cego? Não... acredito que enfeitiçado.

Finalmente eu tomei a decisão de deixar o partido. Para falar a verdade, eu já estava ficando com medo do que aqueles homens iriam fazer. Porém, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa sobre deixar o partido, baterão no meu ombro: “Você tem experiência militar?”.

Eu tinha servido no final da guerra mundial, meu pai também me treinou no boxe e na esgrima antes de morrer na guerra. Pouco tempo depois, perdi todo dinheiro de minha herança, mas é outra história. Era novembro de 1923, estava com 34 anos. Pediram-me para ajudar a Sturmabteilung e o partido. Um golpe que nunca deu certo. Depois da prisão de Hitler, tentei sair do partido, mas um idiota chamado Freud Von Strasser da SA e mais 5 homens que o acompanhava não permitiram. Estavam de olho em mim e eu temi pela minha vida.

Mandei uma carta a Inara dizendo como minha visão mudou depois daquele dia. Que eu a amava e queria viver com ela, nem que precisasse me tornar judeu para isso. Não sei como ela me perdoou, mas sei que sim. Encontrávamo-nos escondidos, mas não creio que tão escondidos assim, de alguma forma Freud sabia dela.

Foi o discurso acalorado e bem recepcionado pelos juízes de Hitler e todos os presentes que me fez querer fugir da Alemanha. Eu senti que algo muito ruim ia acontecer se aquele homem realmente conseguisse o poder. Juntei meu dinheiro, procurei um primo que morava em Londres, chamei Inara para fugirmos e, para minha felicidade, ela aceitou.

Eu estava já me tranqüilizando e ansioso pela vida que teria com minha amada em Londres. Olhava-a sentada do meu lado e sorria, mas Inara era uma costureira muito boa, verdadeira artista com os panos. Era um pouco famosa em Munique e especialmente adorada por uma mulher muito rica. Naquele dia em que íamos fugir, essa mulher parou o trem, pois queria um vestido de Inara para o casamento da Irmã. Minha amada não podia recusar, talvez por honra ou algum senso de clientismo, mas o fato foi que eu e Inara fomos à residência da mulher.

O enteado da cliente era ninguém menos que Freud Von Strasser que estava na residência sorrindo para mim. O pagamento foi bom, a mulher era gentil e se desculpou por atrasar nossas férias. Muito cordial minha Inara agradeceu o dinheiro e aceitou as desculpas. Foi Freud que veio com as passagens: “Nos desculpe atrapalhar as férias dos dois, mas era uma emergência. Aqui, tomem novas passagens para amanhã e, por favor, durmam aqui por essa noite”.

Eu tinha um revólver e fiquei de prontidão a noite inteira, mas sabia que Freud não iria nos atacar em sua própria casa, ainda mais quando a madrasta era fã de Inara. Fiquei sabendo que o pai de Freud se casou com essa mulher pelo dinheiro, mas que pelo comércio que a mulher mantinha com os judeus, o dinheiro foi todo confiscado, mas isso depois de já ter partido da Alemanha.

Foi na estação de trem que nos atacaram. Von Strasser e mais três homens da Sturmabteilung. Eu percebi a movimentação deles antes de atacarem, não eram militares, esses quatro eram apenas garotos iludidos por Hitler que usaram seu dinheiro para poder servir na SA. Quando acharam que nos surpreenderam se depararam com um banco vazio. Atirei escondido em uma pilastra com Inara do meu lado. Não queria matá-los, podia fazer isso facilmente, mas não queria que minha amada visse. Ao contrário, apenas os mantive longe tempo o suficiente para embarcarmos.

O resto foi felicidade. Casei-me com Inara, tivemos três filhos, um quarto na barriga quando eu me alistei aqui no exército Inglês. Graças a minha amada eu estou aqui agora e não lá. Eu estaria atirando em vocês agora.

*E todos riram*