Negócio Arriscado

Curitiba, 30 de Abril de 2009. Uma tarde ensolarada, com o céu de nuvens estava como uma mulher ornada; porém, o ar seco e escasso, fazendo dos aparelhos respiratórios mais sensíveis que da sua função obtenham fracasso. Os pássaros cantam a sua sinfonia melodiosa, calorosa, clamorosa, sendo o símbolo firmamento glorioso e da natureza garbosa da cidade populosa. Assim era o panorama curitibano daquele dia, mesmo entre o cantar uníssono e grave dos quadrilocomotores e dos motodieselados, que passavam perto deste cenário aqui descrito, puxando vários compartimentos atrelados, de cimento ou soja lotados.

Para dois jovens, Gabriel e Júlio, aquela tarde já lhes era feriado, pelo fato de no dia seguinte ser a festa do dia do tripalium, trabajo, labor. Porém, nossos amigos se encontram no atual momento a procura de uma vaga que lhes dê renda, mesmo em meio ao mar turvo e inconstante em que estão os âmbitos financeiros. Ambos tem 20 anos e cursam administração na universidade cujo fundador, homem de armas honrado, supostamente homenageou um famoso clube de origem germânica criado, usando de suas cores no brasão acadêmico, de lança e saber ornado. Ambos os dois torciam para o time laureado, e ainda alegres estavam da pesada artilharia aplicada sobre o time arquirrival.

Naquela hora, estavam eles a andar pelo parque vizinho de duas instituições educacionais de tradições honradas, absortos em um certo nível de eliminação de líquidos pelos poros, a... té... que... algo... lhes... des... vi... a... a... atenção. Uma obra nababesca da natureza faz com que os olhos de ambos se desviem e passem a olhar e a admirar a mesma. Estupefatos, Gabriel exclama:

- Meu caralho! Que mulher é essa, Júlio?

- Cara, só sei que, com essa bunda, ela não é desse mundo...

A beldade em questão era morena, olhos castanhos, cortantes e penetrantes, cabelos longos, negros, mas que não chegam a ser como a asa da graúna; cintura fina e bem modelada, razoável tamanho de pares frontais e a parte traseira... ah, a parte traseira... uma abundância impressionante na parte traseira, inacreditavelmente bem servida de carnes, duras e curvulentamente bem esculpidas, tais como as beldades tubodifusadas, mas com um grau de beleza que a colocava num nível superior. Boquiabertos por verem tamanho colosso em forma de ninfa, eles não podiam ficar de mãos ao alto, à pendular:

- Véio, acho que eu tenho uma boa ideia... - disse Júlio.

- Qual é, Julio? Fala aí!

- O que você acha da gente dar em cima dessa guria? Daí, a gente leva ela pra tua casa e comemos ela, piá!

- Tu só pode estar brincando, fala sério... Acho que a gente não pega ela nem fodendo. Se você for lá e der a cara pra bater, aí vai ser pior...

- Bom, se você duvida que eu vou lá e consigo... então eu te provo! Quanto você aposta?

- Que tal... cinquentão?

- Cinquentão? Fechou, então!

- Bom, já que a aposta tá feita, vai fundo... mas duvido que tu consiga, hahaha...

Imbuído de certeza, Júlio foi de encontro a filha da Rainha de Sabá, tão bonita em seu talhados e arredondados ângulos sinuosos, mas por muitos desejosos. A moça parou a cinco centenas de metros, num banquinho. Estava um pouco estafada da caminhada, mas não alquebrada. Porém, o jovem rapaz não se importou com isso:

- Oi!

- Oi! - disse a moça , um tanto quanto tímida.

- Tudo bem com você?

- Tudo... e você? - disse ela com uma risadinha sardônica.

- Também! Olha, eu sei que você vai achar que tô te incomodando, mas a gente pode conversar, trocar umas ideias?

- Hahaha... Sem problemas! Senta aí! Qual é o teu nome?

Júlio. E o teu?

- Pietra.

- Que nome legal! Acho esse nome lindo, sabe?

E assim a conversa fora evoluindo. Diferentemente do que Gabriel previra, Pietra mostrava grande simpatia a Júlio, e até mais do que uma simples amizade. Porém, tal hipótese era difícil de se detectar, pois só o tempo, eterno dono da linha-mestra cronológica e mestre das relações venusianas é que podia provar.

Porém, caíam os quatro avisos sonoros badalantes da tarde. O vento frio, irritante e penetrante, começava a entrar como um silencioso tratante, a espancar e arranhar o pobre errante, sem qualquer direção para ir adiante. Ambos não estavam nos seus melhores odores e era a hora de partir:

- Deixa eu olhar o relógio... nossa, são 4:30! Preciso tomar um banho e tá começando a ficar frio!

- Calma, Pietra, não se preocupe... Qualquer coisa, você pode tomar banho lá na minha casa.

- Mas não é longe daqui?

- Não, não é, fica aqui do lado, a uns 500 metros. Quer ir lá?

- Então se o convite foi feito, o que eu posso fazer, hahaha... eu vou então!

- Então, tá ótimo! Vamos levantar e ir pra lá!

Então os dois foram para o recanto-matriz de Júlio, que era uma casa de grande porte e muito bonita. Diferentemente das outras edificações do lugar, a casa de Júlio destacava pela sua cor real holândrica, viva e quente como o desejo carnal ardente, que impulsionava o jovem rapaz. Ao adentrar na casa, não se tinha nenhum autocarro a não ser o do mancebo, pois os seus pais viajaram rumo as terras do countryside para passar o feriado desejado, para enfim repôr a energia que em seus cargos fora gastada. O interior da casa também era rico, com um tapete da terra que hoje é um grande país sobre a égide conservadora, mas que outrora fora sede de gente desbravadora, conquistando terras e mais terras mundo afora. Distante, se ouvia o bater de asas de duas aves originárias da ilha por gente lusa descoberta, mas de coloração famosa na estampa da representação de balípodo do povo tupiniquim. De dentro, Pietra sentia algo palpitar, um não sei quê, seduzindo-a perante a natureza sensual e cálida daquela casa, entre apelos orientais e ocidentais.

- Gostou da casa?

- Achei bem legal, principalmente o tapete. Ele é persa?

- Ele é persa, sim. Meu pai mandou trazer diretamente de lá, sabe?

- Imagino... deve ter custado uma nota, não?

- E se custou! Mas já faz um tempo que ele comprou...

- Deve ter sido na época em que o dólar tava custando bem barato, não é?

- Sim, faz uns 12 anos...

- Nossa, faz tempo, então... Bom, o que que eu ia fazer mesmo, hahaha?

- Você vinha tomar banho, lembra? Pelo jeito, sua memória anda meio curta, hahaha...

- É que eu viajei tanto vendo esse tapete que acabei me esquecendo, hahaha... Onde é que tem mesmo um chuveiro?

- Pietra, aqui tem dois chuveiros: o da minha suíte e o da suíte dos meus pais. Qual dos dois você prefere?

- Bom... prefiro o da sua suíte, não tem problema?

- Claro que não, fique a vontade!

Até aquele momento, vinha tudo saindo como Júlio previra. A menina caíra em sua conversa entabulada, levou-a para a sua casa e agora ela tomava banho em seu chuveiro. Melhor do que a encomenda. Porém, o grande êxito ainda não fora atingido, pois o alvo estava por ser abatido. Ele apenas ouvia o som do chuveiro metanizado, a emitir o seu gás amordaçante, enlaçante e mortificante... Tchuuuuussshhhhhhhhhhhhh...

Enquanto isso, Pietra se despira e adentrara dentro do chuveiro, deixando-se ionizar de bons fluídos o seu corpo deveras abençoado. Fazendo uso do bloco higiênico arredondado, retirava toda e qualquer impureza que maculasse cada pedaço de cada curva de seu corpo. Os agentes químicos do bloco, acionados pela fricção e pelo contato com a pele, digeriam a sujeira acumulada por horas a desfilar em passo acelerado em terreno de relevo variado, ante o tempo abençoado. Com esta ação, deixavam as partes da morena cheirosas e deleitosas para quem fosse encontrá-la. Ou seja: Júlio estaria com sorte, caso conseguisse ficar com ela.

Assim, terminou o seu banho em pouco tempo. Tão pouco tempo que nem Júlio, absorto e imberbe em suas reflexões, sentira e previra.

- Nossa, terminou assim... tão rápido?

- É costume meu tomar banho bem rápido... desde pequena eu sou assim.

- Pelo jeito, seus pais deveriam adorar você tomando banho tão rápido, sem precisar gastar muita água... quem dera se eu fosse assim!

- Você demora pra tomar banho?

- Demoro um pouco sim... meus pais até reclamam um pouco de eu demorar tanto tempo em cima do chuveiro...

- Hahaha... é a mesma coisa com o meu irmão! Ele é o contrário de mim. Demora um tempão no banho!

- Imagino... Pietra, você quer comer alguma coisa?

- Tô mais é com sede, sabe? Tem alguma coisa pra tomar, tipo Gatorade?

- Tenho dois sobrando aqui. Daí a gente pode ficar tomando susse!

Os dois passaram a bebericar o líquido ionizante preparado industrialmente, feito para os amantes das boas práticas atléticas, que modelam o corpo e a alma para o day after day. Júlio olhava firmemente nos olhos cor-da-fruta-nordestina da bela moça, imaginando o quanto seria bom navegar naquela imensidão bela de corpo feminino. Navegar não apenas pelo globo ocular, mas pelo seu pescoço adornado de bons e tenros cheiros, pelos seus braços fortes, porém bem esculturados, por aquela pele bronzeada das estações onde o deus amarelo radiante emanava sua energia, enfim... por todo aquele corpo tão bem esculpido, abençoado por Deus e bonito por natureza. Para o rapaz, era mais do que bonito aquele corpo. Era belíssimo, tamanha a beleza de seu talhe, que justificava o superlativo que empregara. Ele queria sentir aquele espasmo elétrico subir por todo o seu corpo quimérico, para sentir todos os seus órgãos uma sensação que, infelizmente, era efemérica, porém de dimensões equivalentes ou até maiores do que as qualificadas pelo perceptor do pensador aristotélico.

Porém, já caía o nosso amigo dourado iluminador para os seus recantos repousar, para quem sabe no outro dia voltar, se a natureza deixar. Pietra já se movimentava par sair:

- Júlio, a tarde foi muito boa, muito boa mesmo... mas eu tenho que ir.

- Que pena...

- Você anda sempre no Parque?

- Ando sempre que posso, sabe... faço faculdade, vou na academia...

- Interessante... em qual academia você vai?

- Eu vou na Corpus, e você?

- Eu vou aqui na Gava... é mais perto pra mim, sabe?

- Entendo... então, a gente se vê por aí... te acho no Orkut, ou por algum lugar.

- Então, tá... tchau, Júlio!

- Tchau, Pietra... Peraí!

- O que, Júlio? O que você quer?

Poucos segundos de silêncio. O rapaz tenta organizar as palavras, regulando a sua calma com a respiração.

- Sabe, Pietra... acho que um encontro casual como esse não devia terminar assim, sabe... Essa tarde tão bonita pode ser melhor ainda se a beleza que eu vejo agora na minha frente descer do céu e estar aqui, junto comigo...

- Não se preocupa, meu lindo... o que você quer já tá aqui, na Terra, e exatamente na tua frente...

Então, os dois lábios, rubros como o líquido enxofrado devastador vindo do sub-solo, se uniram numa explosão, numa erupção, tão violenta que é chamada paixão.

Porém, eis que um barulho é sentido, não muito longe... Pousssshhhh... Poussshhhh... E algo atravessa o coração de ambos, feito de metal e plumbum. Algo tão devastador quanto a substância vinda das profundezas, que retira a alma de quem nela toma contato, transformando num ser petrificado, paralisado.

Ambos caem, com Pietra sobre Júlio. Em suas últimas palavras, o jovem disse:

- Pietra, você definitivamente não é desse mundo...

- Não se preocupa, Júlio, a gente agora não é mais desse mundo... que a gente se encontre... no outro mundo... um mundo tão belo que ninguém vai incomodar a gente... tchau, meu lindo...

- Tchau, minha linda...

Ambos cerraram os seus olhos e suas almas ascenderam ao mundo tão desejado por eles. Gabriel se aproxima do corpo.

- É, meu caro, foi um negócio arriscado... Que você tenha boa sorte com essa puta que você achou que era princesa. Otário!

Outra pessoa se aproxima do corpo.

- Os dois já eram?

- Já eram, tio; o negócio foi bem-feito. Uma despesa a menos lá no Cancún e mais coisa pra gente pegar na casa do idiota.