Diálogo sobre luas e espelhos

- Preciso escrever um texto de 15 linhas.

- 15 linhas? Isso é trabalho para cerca de um minuto e meio.

- Não me nivele tão por cima, por favor.

- Está bem... dois minutos?

- Não enche.

- Bem... eu, por exemplo, estou com meu lado escrevinhador trancado, por falta de capacidade de imaginação. Não quero falar por falar; tenho idéias aos montes, mas...

- Eu sei do que você está falando.

- Ontem, deitado, olhando para a janela que estava escancarada tentando capturar alguma brisa perdida pelo verão, de minha cama vi a lua. Mas a lua... não via minha cama!

- Puxa! Isso é um bom mote!

- Sim, mas parou aí.

- Por que?

- Não posso continuar o texto porque a realidade não é interessante... Tudo ia lírico e filosófico, mas e depois?

- O que aconteceu depois?

- Cocei o saco, virei para o lado e dormi.

- É... não é nada lírico, isso.

- Viu?

- Bem, está tarde, eu acho que preciso ir dormir.

- Tenho esta capacidade de fazer as pessoas olharem no relógio. Deve servir pra algo mais que ouvir adeus.

- Por que você é tão amargo?

- Está bem! Vá dormir. Mas achei o fim para o texto da lua, da cama...

- Então diga!

- Não. Você já está me chamando de amargo por conta...

- Quer parar? Eu não vou dormir até você me revelar esse final!

- Tá bem: A sina da Lua é ser sozinha, admirada à distância. Todos a vêem... mas ela não fica próxima a ninguém. Faz falta um bem querer que pegue em nossa mão. Trocaria fácil, fácil, por todas as glórias do mundo...

- Faz falta mesmo. E mesmo a Lua com sua luz que, do alto, consegue iluminar todo mundo, ainda assim se sente isolada, não é?

- A lua é um embuste. A luz que vemos é a do Sol, pois ela só reflete. Em si, ela é escura e fria.

- Mas de uma forma ou de outra é mais acessível que o Sol...

- Ela precisa ser desmascarada!

- Ah, fiquei com pena dela agora.

- Esta é a sina das mulheres fabulosamente lindas... elas, em si, raramente têm brilho próprio. O que fascina é o reflexo do que elas instigam nos homens, ou seja, é o fogo masculino que dá essa aparência de brilho. Sem isso... inóspitas, frias.

- Pode até ser... mas na verdade a maioria de nós é o reflexo do outro. Se não nos julgamos amados... não brilhamos, não é?

- Podemos brilhar. Mas aí vamos à história da lâmpada e das mariposas... não adianta.

- Você, de novo...

- É, você tem razão. Estou amargo.

- Você está é muito reflexivo hoje.

- Reflexivo? Sim, tenho um espelho. Mas não gosto muito de espelhos, pois não sabem mentir, não são diplomáticos.

- Dependendo da localização do espelho, quem quer diplomacia?

- Mentiras sinceras me interessam, a esta altura.

- Mentiras sinceras interessam a todos, creio eu.

- Certo.

- Eu estava pensando em levar meu notebook para o quarto, para continuar esta conversa, mas...

- ...mas o espelho não deixa?

- Isso. Ele vai ficar me mostrando que não estou dormindo, e a quem quero enganar? Preciso acordar cedo amanhã.

- Vá dormir, criatura. Nem preciso lhe desejar boa noite, porque parece que é daquelas afortunadas pessoas que deitam e dormem...

- Sim, nesse aspecto sou boa de cama. Boa noite, durma bem!

- Boa noite. Será que a Lua ainda está lá? Preciso trocar umas palavrinhas com ela...