COISAS DE CRIANÇA - O eclipse

Quando eu era criança e morava num sítio rodeado por verdes montanhas, achava que o sol se escondia na mata. Entrava de um lado e aparecia do outro. Um dia, observei que a lua também surgia da mata e quando ela nascia, o sol se escondia. Conclui, pela minha sabedoria de criança, que um corria atrás do outro, num eterno brincar de esconder.

Por vias das dúvidas, questionei meu irmão sobre o fato e ele, do alto de sua sabedoria de irmão mais velho, disse-me que se a lua e o sol se encontrassem haveria uma grande explosão e o mundo acabaria.

Passei a vigiar o céu para ver se eles estavam se aproximando. Um dia, eu vi a lua e o sol ao mesmo tempo no céu. Fiquei muito preocupado. Será que a lua está alcançando o sol? Porque será que ela está faltando um pedaço?

Novamente recorri à sabedoria de meu irmão mais velho e ele explicou que a terra estava engolindo a lua e quando ela acabasse de engolir, o mundo acabaria.

Acompanhei atentamente a lua dia a dia diminuído até ela se tornar um pequeno risco arqueado em meio às nuvens. Pensei, é agora que o mundo vai acabar! Quando anoitecer não vai ter mais sol e nem lua! Veio a noite, adormeci, acordei num belo dia de sol, nada aconteceu. Passaram-se os dias até que numa tarde brotou da mata uma linda lua cheia, perseguindo o sol que acabara de esconder. Senti-me aliviado, tudo voltara ao normal.

Tempos depois, eu já tinha até me esquecido do sol e da lua, surgiram comentários de que haveria um fenômeno muito raro chamado eclipse solar. Sem saber o que significava, fui buscar respostas na mesma fonte de sempre e meu irmão pacientemente explicou que no eclipse solar o dia tornava-se noite, o céu enchia-se de estrelas e sol se encontraria com a lua para disputar o domínio do universo. Nesta luta, se os dois se tocassem o mundo explodiria. Se o sol engolisse a lua, a noite deixaria de existir e seria eternamente dia. Se a lua vencesse o sol, o dia deixaria de existir e seria eternamente noite. Como nos outros casos nada aconteceu de acordo com suas previsões, não acreditei muito nele desta vez.

Mas eis que Chegou o dia do famigerado eclipse. Minha mãe colocou uma bacia com água no terreiro para que a gente pudesse ver o tal do eclipse. O dia foi pouco a pouco escurecendo e eu cada vez ficando mais preocupado. E não é que o sol estava lá, dentro da bacia, brigando com a lua? Igualzinho meu irmão havia falado! A água balançava dentro da bacia e dava a nítida impressão de que o sol realmente brigava com a lua. Na minha imaginação de criança eu via realmente uma briga entre o sol e a lua. De repente tudo ficou escuro. Fiquei aterrorizado, abracei meu irmão e começamos a chorar de desespero. Será que o mundo vai acabar mesmo? Será que a lua engoliu o sol? Não haveria mais dia? Não haveria mais brincadeiras, nem escola? Teríamos de dormir eternamente?

Mas aí, uma pontinha de luz começou a aparecer. Oba, sol havia vencido! Mas e agora, não teríamos mais noite! Nem lua, nem estrelas! Não poderíamos mais dormir! No fundo, eu preferia mesmo era o sol. Estava satisfeito. O importante é que o mundo não acabou e o sol voltou a brilhar. Passou-se o dia e, para minha surpresa e alívio, a noite chegou, nada havia mudado.

Muitos sois, muitas luas, muitos eclipses se passaram na minha vida! Muita coisa passou! Até mesmo meu “sábio” irmão passou! Mas as doces lembranças daquele mágico tempo de criança... Ah, estas jamais passarão!