GALINHA CAIPIRA

Vida de roceiro é dura. Fazendeiro é rico, tem patrimônio valioso, mas se você procurar dinheiro, na boca do caixa, ali na bucha, vai quebrar a cara. Geralmente andam duros.

Agora imaginem na época da segunda guerra, duas senhoras, mãe e filha, com três filhos para alimentar e sozinhas tocando uma fazenda? Fazenda que se preze tem de produzir tudo. Comprar na venda somente o sal, querosene e tecidos. O resto tem de sair dali, do chão e no muque. Pelo menos era assim.

Na casa do Guilherme a sua mãe e sua avó eram as responsáveis por isso tudo. Orlando, seu irmão mais velho, já ajudava em alguma coisa, mas Guilherme e sua irmã mais jovem se não atrapalhassem já estariam prestando um grande serviço. Ele não adotava muito à risca esta premissa. Era o capeta encomendado na figura de gente.

Iniciava o ano letivo e ele já estava matriculado. Não dava para a coisa; estudo para ele era purgante e dois ou três meses depois já estava expulso com todas as honras. Não era perseguição, tinha as suas chances. Primeiro vinham os castigos. No primeiro mês de aula ele já tinha castigos agendados para o resto do ano. Agenda esgotada, ficava totalmente inadimplente e não restava coisa senão ir para casa. Ninguém tinha saco de ficar tentando ou perdendo tempo com alunos como ele. Nunca reclamava. Acho que até gostava.

Orlando ajudava e era um “mão de vaca” assumido. Com isso até colaborava na economia, pois quando lhe dava um pedaço de linguiça frita, por exemplo, passava aquela gordurinha em cima de um prato de angu e mandava ver. Guardava a linguiça para outra refeição. Em resumo, somente comia a dita quando ela já estava incapaz de dar aquele gostinho no prato de angu.

O Guilherme, como todo bon vivant, gostava de passar bem. Mas de que jeito poderia melhorar a boia? Lançava mão de todo ardil possível e imaginário para isto, ora animando a velha Zizica para ir pescar, ora afogando um pato debaixo da tábua que dava passagem para o outro lado do córrego, mas, pô! Dava muito trabalho! Havia muitas galinhas e galinholas gordas, mas ninguém podia comer, pois dali saiam os ovos ou frangos vendidos para ajudar na economia global para a compra daquelas coisas não produzidas. Um franguinho num domingo ou num dia de festa qualquer não era suficiente, mesmo porque geralmente eram os menores, mais furrecas.

Quando se matava um porco confinado uns noventa dias na ceva lá do fundo do quintal a coisa melhorava muito e foi ali que ele teve uma brilhante ideia num belo dia, apesar de ele não ser nada ortodoxo nesse negócio de ideias brilhantes. Notou que as aves gostavam de ir até a ceva para comer as sobras do milho dos porcos. Certa vez ele percebeu que uma régua do curral despregou-se e criou, com a de baixo, um espaço muito estreito como se fosse um V deitado.

Bolou (para coisas ruins ele não tinha parelha!). Ajuntou um pouco de milho e colocou enfileirado de modo que a galinha que viesse comendo enfiasse o pescoço ali e caminhasse em direção ao vértice do V. Galinha não tem inteligência assim muito apurada (penso) e em vez de voltar quando se sentia presa, fazia ainda mais força para trás, prendendo e enforcando-se com o esforço para escapar.

Burro Guilherme nunca foi. Para despistar, botava a boca no mundo, gritando a mãe Zizica, como ele a chamava, dizendo que a galinha estava presa, ia morrer, coisa e tal e fazia um banzé danado para produzir pânico e dificultar o raciocínio da velha. Ela, coitada, solicitava-o ajudar a retirar a infeliz daquela situação.

Era do que ele precisava. Ela, sem saber, estava revelando a senha para mais uma traquinagem. Ao invés de pegar a pobre da galinha e retirar vagarosamente o pescoço dela daquela situação, puxava ainda mais, dava um safanão, enforcando-a de vez.

E pesarosamente ia levando a futura panelada ou a suculenta canja segura pelas pernas e com a maior cara de pau, quase chorando:

- Aí! Infelizmente eu não tive tempo. Ela não resistiu. Que azar! Mas tá gordinha ainda quentinha (agora já mais animado e sem aquela voz trêmula de quem está emocionado). Dá pra aproveitar! Peitinho dela tá redondinho, redondinho, dizia, pegando o peito da falecida com os dois dedos, coisa que ele já havia feito antes, com ela ainda viva. Se tivesse aquele osso parecido com foice, magrelo estaria salva. Era só ter um pouco de paciência e esperar uma outra enfiar o pescoço ali. Tempo era coisa que ele tinha de sobra

Deu meia volta, desceu a escadinha que dava para o terreiro e foi tratar de arrancar minhocas para a velha Zizica pescar uns acarás. Assim a velha não ia ficar futicando muito e acabar descobrindo a malandragem.

Ele sabia que a coisa de que ela mais gostava na vida era pegar seu caniço, ir à beira do córrego e pescar. Difícil para ela era conseguir a isca.

- Ah! Não custa nada dar uma mãozinha! Hehe!

Dbadini
Enviado por Dbadini em 09/03/2010
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