QUANDO UM GESTO DE AFETO FAZ TODA UMA DIFERENÇA.

Trabalho como estagiária e voluntária de um hospital

Aos quarenta e oito anos optei por seguir essa profissão,

Não me perguntem por que, talvez eu não saiba responder.

Creio ser amor, depois de trabalhar anos dentro de um hospital

Particular na área administrativa fui me encontrando e mesmo

Que tardio aqui estou.Hoje, passo pelo menos três vezes na semana dentro de um pronto socorro.

Sempre ouvir falar da precariedade do atendimento médico das unidades públicas, mas não tinha a menor noção, somente agora pude constatar. Mas foi preciso viver para me conscientizar do drama e descaso para com quem precisa pedir socorro a esses órgãos públicos.

É difícil para eu ficar alheia a tudo isso, sem me envolver.

Vejo aqueles enfermos, na maioria idosos fragilizados, fracos,

impotentes diante da doença e entregue a sorte, dói, dói demais.

Ainda tem quem ignore tudo isso, prefiro nem comentar o assunto.

Outro dia me vi num mesmo dia diante de três situações: duas me comoveram e uma na qual deixou-me indignada.

E tirei dessas experiência uma única lição:

“Que um gesto de afeto faz toda uma diferença”

No primeiro caso:

Estava eu caminhando para a sala de sutura, quando me deparei

Com uma vovozinha (forma carinhosa por ter idade para ser minha avó) numa cadeira de rodas na porta da sala, seus cabelos branquinhos, um semblante suave e a expressão de quem ao longo da vida já superou todas as dores, o que não mais lhe maltrata.

Tranquilamente aguardava a sua vez de ser atendida, embora não devesse, mas, num país de impunidade onde dificilmente se respeita ou faz valer o estatuto dos idosos...

Bem deixa pra lá, voltamos ao o que interessa, a vovó havia levado um tombo e sofrera um corte na cabeça.

Ao aproximar-me sentir necessidade de lhe fazer um afago, estendi minhas mãos a sua cabeça, quando uma colega fez-me uma observação:

Não faça isso! Sabe que não pode tocar na ferida.

Horas! Santa ignorância

Conheço todos os procedimentos, eu estava de luvas, claro que não iria tocar no ferimento, um afago não causa contaminação nem contagio, tanto para mim quanto para a paciente, a não ser para quem é escrupuloso e preconceituoso e evita o máximo um contato direto, fico indignada!

No segundo caso:

Eu entrei na observação feminina, fui pegar alguma coisa,

quando escutei um gemido e alguém chamando, murmurava tão baixo

Que mal consegui identificar quem era, olhei a minha volta e vi uma outra vovozinha chamando: Doutora, doutora, me ajude, por favor!

Só para esclarecimento não havia no momento nenhuma enfermeira no setor. Aproximei-me e lhe disse:

“Eu não sou doutora, mas em que posso ajudar à senhora”.

Ela sentia fortes dores na perna esquerda o contato direto da pele com

O colchão de lona sem lençol ocasionava atrito, é isso mesmo,

“Sem lençol” fazendo com que a dor aumentasse e tudo o que ela queria é que lhe colocassem uma toalha embaixo da perna, o que segundo ela, Já estava há horas a pedir.

Peguei uma toalha, ajeitei cuidadosamente de maneira que ela se sentisse confortada. Agradeceu-me dizendo:

“Obrigada, você é um anjo”.

Agradeci com um sorriso e saí dali pensativa...

Não sou nada disso, é que as pessoas não estão acostumadas a serem tratadas com respeito e dignidade e quando encontra alguém que lhe de atenção imagina ser um anjo, estou longe de ser, apenas trato as pessoas como se fosse os meus.

No terceiro caso:

Esse que mais me comoveu, era um senhorzinho no leito

De uma sala de observação masculina, onde costumo ficar.

Ele estava muito debilitado mal conseguia se mover, ao lado dele havia uma senhora que o acompanhava, não sei se era sua esposa, mas já com certa idade.

Ele estava meio choroso, resmungava... Mas de dor.

A senhora aproximou-se de mim de forma humilde e meio receosa e falou:

“Sabe o que é ele estar sujo (havia defecado na frauda) e sente muita dor”.

Cheguei-me ao paciente e pude constatar, o odor era muito forte, fétido, mas faz parte de nosso procedimento manter a higiene do paciente sem condições de se locomover.

Preparei todo o material e enquanto calçava as luvas a senhora complementou:

“Olha, ele hoje não foi trocado o dia todo”.

Isso já passava das vinte horas. gente! Vocês não têm noção do descaso.

O paciente estava com quatro fraudas descartável, fazem isto para não se darem ao trabalho de trocar o paciente o tempo todo, o que de nada adianta, vamos combinar que a urina e as fezes de um adulto estar muito longe de ser igual a de uma criança, é mais quantidade e volume.

O plástico de proteção da primeira frauda impede que vaze para a segunda e por aí a diante, conclusão:

tudo fica acumulado na primeira e às vezes vazando pelas as laterais.

A dor do paciente deu-se ao fato de permanecer por muito tempo urinado e sujo, ocasionando assim lesões (também conhecida por assaduras, dermatite de contato e outros), por toda a região de suas partes intimas.

Tratei de sua higiene e providenciei uma pomada para isolar e cicatrizar as lesões, coloquei-lhe apenas uma frauda, sentiu-se bem mais aliviado e instruir a senhora que não permitisse que o deixassem urinado e com a mesma frauda por muito tempo.Terminado, fui esterilizar as mãos, pois embora estivesse de luva isso se faz necessário.

Quando me preparava para secar as mãos, a senhora retornou totalmente constrangida e falou:

“filha desculpa, me desculpa mesmo, ele se sujou novamente”.

Sinceramente às vezes não é fácil, mas se você se propôs, se você escolheu essa profissão tem que se doar por inteira, ser enfermeira precisa de vocação mesmo.

Falei-lhe: não precisa se desculpar é assim mesmo, estou aqui para isso e lá fui eu, fazer todo o procedimento de novo.

Quando terminei, senti uma mão no bolso de meu jaleco,

Era da senhora, ela colocara dez reais e antes de eu esboçar

Qualquer reação foi-me logo dizendo:

“Minha filha você foi um anjo, sou pobre, não tenho muito, mas é

de coração, aceite, é para você comprar um refrigerante”

Fiquei estática por um segundo e lhe respondi:

Eu não posso aceitar não nos é permitido, por favor, guarde o seu

dinheirinho. Tive que usar de todo um cuidado para que ela não se

sentisse ofendida, expliquei que era minha obrigação cuidar de forma

humana e zelar pelo o bem estar das pessoas, que era um dever de todos nós que trabalhamos na área de saúde.

Confesso que foi bem difícil convence-la, mas consegui, sorriu-me

satisfeita.

Só o seu sorriso, a feição de alívio, valeu-me mais que qualquer dinheiro, fui para casa aliviada, com a sensação de missão cumprida.

Com tudo não me acho preparada, capaz, nem tão boa o suficiente,

Tenho muito que aprender ainda, quando se trata de cuidados e humanização.

Cristina Siqueira
Enviado por Cristina Siqueira em 31/03/2010
Reeditado em 01/04/2010
Código do texto: T2168854