Idiossincrasias

Eles resolveram terminar a madrugada nas areias da praia de Copacabana, veriam o sol despontar no horizonte. A noite de êxtase fora consumada, há pouco, em cabines escuras no inferninho vadio onde nem sequer havia um letreiro divulgando o nome do lugar. Mas eles sabiam o nome — sabiam o nome e o odor e o gosto; fruíam cada gota daquela prática muitíssimo particular. Os amigos do escritório d’ele não imaginavam o teor de seu regozijo quando partilhava a bela esposa com uma horda de desconhecidos: Homens, mulheres, casais. No salão onde Ela fazia as unhas toda semana, as mulheres que revelavam seus segredos mais recônditos não notavam o seu quase indisfarçável sorriso de quem estava realizada. Eles eram um casal comum de classe média alta, Ele quarenta anos, Ela trinta. Para eles, o que faziam era encarado com argumentos distintos. Ele: È divisão do corpo, não do amor. Ela: É a liberdade de desejar sem culpa. Ele na adolescência fora ciumento e quis muitas vezes que sua desconfiança lancinante se concretizasse. Queria pegar as infiéis em flagrante e provar que estava certo, porém o máximo que conseguiu foi uma confissão forçada de uma ex-namorada farta das acusações infundadas. Ela, uma menina ainda tímida, mas sagaz; chocou-se menos ao ver os pais fazendo sexo num domingo à tarde do que quando teve o primeiro orgasmo observada pelo marido embevecido. Porém, os dois entrelaçaram tanto suas justificativas que com o tempo um passou a usar as do outro, sem que no final soubessem quem realmente era o dono delas.

Há alguns anos foi difícil para Ela aceitar a idéia de que o marido fantasiava dividir seus momentos de intimidade com mais alguém. Resistiu ao impacto daquela revelação pensando tratar-se de uma brincadeira ou de uma vontade passageira. Somente quando se viu ardilosamente levada à casa noturna decorada com motivos eróticos, foi que se deu conta de que Ele falava sério. Disfarçou a frustração e a indignação de mulher honesta vagando pelo lugar ciceroniada por Ele. Pôde divisar o ambiente de negrume absoluto temperado com gritos e sussurros intermitentes. Ela foi penetrando devagar naquele mundo desconhecido até que teve sua atenção voltada para o salão onde vários casais se devoravam. Viu uma mulher sendo possuída simultaneamente por dois machos; viu um cônjuge orientando e dando dicas ao parceiro da esposa. Viu sem ser vista. As pessoas no local a ignoravam solenemente, motivo pelo qual se sentiu confortável naquela posição. Perscrutou as maneiras de todos sem ser importunada. Mesmo confusa sorveu cada cena com silencio parcimonioso.

Apesar da raiva que ainda sentia do marido, nos dias que se seguiram experimentou uma sensação gostosa, um poder oculto finalmente revelado de um modo muito estranho. Daí, a saber-se com outros homens em sua imaginação não tardou a acontecer; uma curiosidade incômoda a perseguiu até render-se ao inexorável. Como uma droga que exige doses cada vez mais altas, eles — agora juntos — experimentaram o voyeurismo, depois foderam sob o olhar atento dos outros freqüentadores da casa de swing e em seguida foram adicionando uma mulher um homem um casal e tudo acabou em uma orgia; aliás, acabou não. Eles recomeçavam toda semana levando o seu barco de sensações sempre a um porto mais distante. Ele vivenciando sua catarse através de um desejo desprendido de qualquer posse; como se dissesse ao restante do universo que sua parcela de solidariedade é ofertada através do corpo de sua companheira. Ela exercendo seu poder libertário, sobrepujando a idéia arcaica da mulher desprovida de furor. Sua bandeira era hasteada sempre que o gozo ultrapassava as barreiras da moral imposta pelos puritanos.

Os primeiros raios vermelhos riscaram o céu; eles abraçados ali na areia. A luz fez com que Ela notasse uma ferida cálida em seu antebraço, fruto de uma mordida feroz que um parceiro fortuito lhe aplicara. Ele percebeu o desvelo com que Ela contemplava a pequena cicatriz. Talvez a droga precisasse de uma dose ainda maior... Na semana seguinte procuraram na internet uma casa especializada em sadomasoquismo.