AS 7 VEZES EM QUE NÃO MORRÍ

PRIMEIRA VEZ – UM VAGÃO CARREGADO.

Ramiz Galvão é um bairro ferroviário no município de

Rio Pardo. Nasci ali em meio a locomotivas, as românticas

Maria Fumaças e minha infância dividia-se entre os estudos no

colégio das freiras como chamávamos a escola no antigo

prédio hoje transformado em centro de cultura, mantendo ainda

a escola anexa, as festas na associação dos ferroviários, jogar

futebol ou zoar no Rio Pardinho nas tardes de domingo. Meu

pai era ferroviário, maquinista e a vida transcorria sem muitas

novidades. Não havia televisão e nem sequer sonhava-se com

internet, celulares etc. Na verdade nem mesmo tínhamos um

telefone, na época um luxo para poucos. Minha mãe fazia o

pão para o consumo da família em um forno a lenha,

construído pelo meu pai, (um mestre na construção deste tipo

de forno). O fogão era a lenha, que vinha da ferrovia. As

locomotivas daquela época, consumiam carvão e lenha como

combustível e obviamente ninguém comprava lenha para os

fogões caseiros. Quando o trem saia, meu pai jogava uns paus

de lenha de boa qualidade e nós carregávamos em um carrinho

de mão e depois cortávamos em fatias compatíveis com o

tamanho da câmara do fogão. Numa destas ocasiões fiquei

encarregado de buscar a lenha que seria jogada da locomotiva.

Havia um pequeno beco que usávamos para transpor as linhas

ferroviárias e acessar a rua do outro lado. Posicionei o carrinho

no beco e procurei um espaço para proteger-me por que os

paus eram jogados com a composição em movimento e isso

poderia ser perigoso. Naquele ponto havia um desvio para uma

linha secundaria que estava no momento ocupada por um trem

que havia chegado e aguardava a saída do próximo para seguir

viagem. Procurei proteger-me atrás do último vagão. Ouvi um

apito indicando que o trem estava saindo da estação. Achei

estranha a insistência do maquinista ao usar o equipamento, um

sistema que utilizava a pressão da caldeira para produzir aquele

silvo característico dos trens da época. Com certeza não era o

trem do meu pai. Ele não gostava de usar muito o apito e

preferia alguns toques curtos. Procurei abaixar-me para sentar

sobre uma pedra e esperar a saída do próximo trem. Foi então

que graças ao conhecimento que tinha sobre as coisas da

ferrovia, percebi que o vagão que usava como proteção estava

fora do marco, (uma estaca de madeira com a parte superior

arredondada, pintada de amarelo e que definia o ponto em que

dois trens poderiam cruzar-se com segurança). A outra

composição estava já bem próxima e tratei de jogar-me para

fora do alcance do vagão. Apesar de toda a agilidade que tinha,

ouvi um estalo e senti o deslocamento de ar sobre as minhas

costas, Sem olhar, continuei a corrida em direção ao beco, onde

agora via o carrinho sob os fios elétricos do poste derrubado

pela queda do vagão. Saltei sobre o carrinho jogando-me ao

chão do outro lado e ao conseguir finalmente observar o

ocorrido, deparei com o vagão tombado. Havia derrubado o

poste sobre a casa a direta do beco que tinha a parede da frente

semi-destruída. Fiquei por um momento ali, com as pernas

bambas imaginando do que havia escapado. O conhecimento

da serventia daquela bolinha amarela acabara de salvar a minha

vida. Não lembro o que foi feito com o carrinho, mas fui para

casa e fiquei um longo tempo deitado pensando no acontecido.

A casa atingida, por uma estranha coincidência, pertencia ao

pai da mulher que seria mais tarde minha esposa e mãe dos

meus filhos.

SEGUNDA VEZ – O ÚLTIMO MERGULHO

O Rio Pardinho passa pela periferia de Ramiz Galvão

desembocando na praia dos Ingazeiros em Rio Pardo onde se

junta ao Rio Jacuí que margeia a cidade. É um rio perigoso

cheio de panelas e redemoinhos que já tem levado bons

nadadores. Tem fama de fazer pelo menos uma vítima a cada

ano. Nunca fui bom nadador e sou apenas capaz de nadar

pequenas distâncias com o rosto mergulhado na água. Mas,

costumava mergulhar de um barranco a margem direita que

naquela época, (início de verão, ainda estava um metro acima

do nível normal). Nilo Posada era um amigo inseparável e lá

estávamos nós, com algumas cervejas no isopor em direção ao

velho Rio Pardinho. Fazia muito calor e logo ao chegarmos,

resolvi dar um mergulho em quanto o Nilo procurava uma

sombra entre espaços mais fechados na mata. Mergulhei e ao

tomar impulso para retornar, prendi o pé direito entre dois

galhos submersos. A água estava ainda turva e não permitia

enxergar nada. Começou então uma luta frenética para livrar o

pé. O tempo passando e não obtinha sucesso. Pensei,

- será que vou morrer aqui? O Nilo nem viu que mergulhei se não, já teria mergulhado também. Sentia que a reserva de ar nos pulmões

não me permitiriam mais tempo. Já estava a ponto de desmaiar

ou começar a ingerir água. Com as últimas forças de que

dispunha, girei o corpo no senti horário e finalmente consegui

soltar o pé. Ao tentar tomar impulso novamente, senti minha

mão tocando a parede do barranco. Cravei os dedos na parede

barrenta e tomei impulso finalmente alcançando o maravilhoso

oxigênio, cuja falta já fazia com que meus pulmões estivessem

a ponto de explodir. Durante alguns segundos, conseguira

manter a calma e procurava um meio de soltar o pé mas em

pouco tempo entraria em pânico e aí provavelmente teria

morrido. Joguei-me na grama procurando recuperar as forças e

normalizar a respiração.

– O que houve? Ouvi o Nilo que voltava. Contei-lhe o ocorrido e depois de algum tempo estávamos tomando uma cerveja gelada e planejando o que faríamos a noite. Mas foi uma das experiências mais terríveis

de que tenho lembrança. Tomei uma decisão e a mantive até

hoje. Foi meu último mergulho.

TERCEIRA VEZ – O SACO DE PORONGOS

Vez por outra costumávamos acampar as margens do

Jacuí na localidade conhecida como Porto Ferreira. Hoje é uma

vila bastante populosa principalmente por moradores de Santa

Cruz do Sul que mantém ali residências de verão. Na época o

local era habitado apenas por alguns pescadores. Havia no local

um rancho coberto de sapé, com uma mesa tosca e duas

tarimbas de bambu que usávamos como camas. Pertencia ao

meu avô e era usada por membros da família ou quem quer que

seja que precisasse de abrigo. Naquele dia combinamos que o

Nilo iria até a Boa vista buscar sal, pão e outras necessidades

básicas pois já estávamos acampados a três dias e os

mantimentos estavam acabando inclusive o estoque de

cigarros. Como o local era muito freqüentado, a lenha para

alimentar o fogo era já meio rara, o que não acontecia na

margem oposta. Era mais fácil busca-la do outro lado em vez

de perder um longo tempo catando gravetos. Decidi pegar o

barco, chamado ainda hoje pela população local de Caíque e

remei para a margem oposta. Em pouco tempo, consegui uma

carga de lenha para uns três ou quatro dias. Nesse meio tempo

começara a soprar um vento forte e o rio fazia muita marola,

mas acostumado com esse tipo de contratempo, não vi razão

para não voltar. O barco era de um dos pescadores e

costumávamos usa-lo. Já havia vencido um terço do trajeto

quando o barco começou a fazer água. Isto era normal e havia

sempre um caneco que se usava para tirar água de dentro do

barco. Mas estava fazendo muita água. Na verdade, estava

afundando rapidamente. Analisando a situação, percebi que

não teria como usar nada a bordo como bóia. Salva vidas era na

época uma coisa na qual ninguém pensava. Com as ondas

agitadas pelo vento, a técnica era remar contra ou a favor da

onda, pois navegar a margem da onda era uma maneira rápida

de virar o barco. A esta altura nem tinha tempo para remar,

preocupado em tirar o máximo possível de água de dentro do

barco, mas, eu estava visivelmente perdendo a parada. O

volume aumentava continuamente e estava prestes a alcançar a

borda. Lembrei-me de um compartimento na proa que era

usado para guardar coisas. Avancei com cuidado e mesmo

assim quase virei o barco. Abri a portinhola e senti que havia

algo ali. Para minha felicidade era um jogo de espinheis, (

corda com vários anzóis, muito usado na época) com dois

porongos em cada extremidade que eram usados como bóia de

sinalização. Havia dois espinheis dentro de um saco de

aniagem meio enrolados um no outro e eu dispunha agora de

quatro porongos. Quando finalmente consegui encontrar um

meio de agarrá-los sem perder a condição de puxar água para

nadar, o barco já fora e agora eu remava com o braço direito,

agarrado ao saco de porongos com o outro braço. A correnteza

estava muito forte e embora nadasse com desenvoltura, fui

chegar a margem cerca de uns 2 km abaixo do acampamento.

Finalmente em terra firme, salvo por um saco de porongos.

Voltei a pé, juntando o possível de lenha pelo caminho e

relembrando como os benditos porongos me haviam salvo.

Depositei a lenha no rancho e voltei para buscar os porongos

que havia deixado escondidos em umas moitas, afinal não eram

meus.

QUARTA VEZ – A FEBRE E A MELANCIA

A aula final estava terminando e eu desde a aula

anterior, sentia arrepios de frio e o corpo dolorido, sintomas de

febre e talvez um forte resfriado. Saí em direção a estação

ferroviária de Rio Pardo onde tomaria o trem que nos levava

para casa todos os dias. Como ferroviário, meu pai tinha

subsídios da ferrovia que nos permitia estudar em colégio pago.

O colégio das freiras como chamávamos o instituto de

educação, hoje em parte transformado em centro cultural

depois de uma cuidadosa restauração. Fica no centro da cidade

e o percurso até Ramiz Galvão era feito em um vagão de

passageiros rebocado por uma locomotiva destinada pela

ferrovia para esse fim. Quando cheguei em casa, eu estava mal

e andava com dificuldade parecendo que cada perna pesava

uma tonelada. Minha mãe logo percebeu que a febre era muito

alta e resolveu chamar um médico. O diagnóstico não era nada

agradável. Segundo minha mãe, eu estava com Tifo. Tifo?

Perguntei, não é aquela coisa que tu tiveste quando tinhas 20

anos e que te deixou careca?

- Isso mesmo, respondeu minha mãe, vais ficar careca também. Mas não te preocupes, depois vem uma cabeleira bem mais forte.

-Ah, nada de namorada aqui, certo? Isso é muito contagioso. Naquela época, uma febre tifóide era ainda uma ameaça e ainda existiam casos fatais. A receita subscrita pelo médico incluía um remédio do qual

seriam ministrados 4 comprimidos de 8 em 8 horas e uma

injeção diária, além da proibição de comer qualquer coisa que

não fosse canja de galinha ou uns biscoitos de água e sal.

Assim começaram dias de confinamento e o tempo foi

passando e eu não dava sinais de melhora, a febre oscilava para

mais ou menos, mas não cedia. Eu me sentia cada vez mais

fraco Minha mãe já estava desesperada com a situação e

resolveu chamar outro médico. O Dr. Miguel Mendes Ribeiro,

era um médico clinico geral que gozava de muito prestigio na

cidade. Um sujeito forte que lembrava mais um homem do

campo, do que um médico. Moreno, ostentando um bigode que

lhe dava certa semelhança com um Rock Hudson apenas mais

velho. Chegou e sentou-se ao meu lado na cama e acendeu um

cigarro Fumava compulsivamente um cigarro conhecido na

época como um dos mais fortes. Após tomar a minha febre,

fechou os olhos com os braços apoiados sobre os joelhos e a

cabeça entre as mãos, ficou por longo tempo em silêncio

interrompendo a concentração somente para acender outro

cigarro. Quando finalmente emergiu de seus pensamentos,

escreveu algo no bloco de receitas e chamou - Maria (como

costumava chamar minha mãe) pode dar de tudo pra comer,

menos feijão e ovo. Vamos atropelar esta febre. Depois que

saiu, minha mãe comentou,

- Manteve os mesmos remédios

mas alterou a dose.

-Agora são 8 comprimidos de 4 em 4 horas

e duas espetadas na bunda todo dia. Uma injeção por dia, já era

dose, agora eram duas, mas enfim desde que melhorasse, tudo

bem. Com efeito, passei a nelhorar bastante e a febre agora já

não era tão intensa ou insistente. Mais alguns dias e já podia

levantar-me ou sentar- me no sofá da sala onde costumava ficar

ouvindo rádio. Mais uma semana e por fim eu estava bem.

Mas aí fiz uma grande besteira. Na época, namorava uma

menina morena de nome Janaína. Depois de matar as saudades

causadas pelo longo período de confinamento, resolvemos

fazer uma caminhada de uns 9 km até a casa de um tio seu para

comer melancia. Ela era vidrada em melancia. Foi uma tarde

agradável e estávamos felizes pelo reencontro. Quando

voltávamos já a meio do caminho comecei novamente a sentir

tudo aquilo. Os arrepios de frio, as dores no corpo e a febre.

Pensei por alguns momentos tratar-se de apenas efeitos

psicológicos, mas, comecei visivelmente a piorar

- Janaina, vai

embora, acho que estou tendo uma recaída da maldita febre e

isso é contagioso.

– Nada disso, não vou deixar você sozinho

para ficar caído por aí. Se pegar, azar. Dizendo isso me abraçou

pela cintura e continuamos andando. Ao aproximarmo-nos de

casa, eu já mais me arrastava ajudado pela garota do que podia

andar pelas minhas próprias pernas. Ela e minha mãe me

colocaram na cama e eu apaguei. Foram três dias que ficaram

faltando na minha vida, pois tudo que sei sobre eles é o que

minha mãe e Janaina me contaram. Eu estivera em coma

durante esses três dias e segundo Janaina, o Dr. Miguel estivera

sempre presente apenas saindo para fazer algo urgente,

voltando logo. Ela e minha mãe se revezavam a noite e assim

estive entre ávida e a morte. Acordei ao final do terceiro dia

vendo uma imagem desfocada que aos poucos foi se revelando

como a figura do Dr. Miguel me fitando com um sorriso

zombeteiro.

– Bem vindo ao mundo dos vivos, falou. – Por

quê? Perguntei, por acaso estive morto? –Não, respondeu o

médico, você deu só uma voltinha por lá. Mas graças a muita

luta conseguimos traze-lo de volta. Você esteve muito perto.

Mas, agora prometa que não vai chegar perto de uma melancia

pelos próximos dois anos... Deu uma risadinha. Claro nem

precisava, pois passei muitos anos sem sequer poder olhar para

aquela coisa. Aconteceram ainda duas coisas incríveis. Não

perdi os cabelos e a Janaina não foi contagiada. Finalmente

comemoramos novamente, desta vez, apenas um vinhozinho

junto ao fogão a lenha ao som de besa-me mucho.

QUINTA VEZ - FERROCIANETO DE POTÁSSIO

A gráfica Minerva, hoje extinta, ficava na Rua

Comendador Coruja em Porto alegre e eu morava em um

apartamento na Ramiro Barcelos, próximo dali. Trabalhava na

época por volta de 1965 no departamento de criação e

desenvolvimento de embalagens e como sempre, precisava dar

uma mãozinha aos retocadores quando o serviço apertava. As

matrizes naquela época eram totalmente produzidas a mão. Os

fotolitos como são chamados até hoje os negativos de

separação de cores, precisavam ser retocados a mão para

adequá-los a escala gráfica. O mesmo ocorria com os filmes

positivos já reticulados. Os pontos precisavam ser reduzidos

para caberem dentro da escala de densidade e contraste. Em

Off-set, os meios tons são produzidos por minúsculos

pontinhos entintados. Eu estava cumprindo esta tarefa, nos

positivos de um cartaz comemorativo a mais um título do

Internacional de Porto Alegre, por sinal, meu time. Fazia muito

calor e eu acabara de preparar uma mistura nada saudável. O

redutor de Farmer, era produzido pela diluição de uma certa

quantidade de Ferrocianeto de potássio em água e era usado

para reduzir o diâmetro dos pontos. Uma segunda mistura,

desta vez Hiposulfito de Sódio era usada para retardar ou

cortar o efeito de redução do ponto. Eram aproximadamente

15. 30 h e a servente depositou na minha mesa um copo de chá

gelado. Estava com muita sede e fui com tudo ao copo. No

terceiro gole, percebi a fatalidade, eu não estava tomando chá.

O Ferrocianeto é um pó vermelho, semelhante aquele colorante

de cozinha e ao ser diluído em água, produz uma mistura

amarela e transparente idêntica ao chá de mate. Considerado

veneno letal. Em princípio eu havia ingerido três generosos

goles de veneno. Corri para a geladeira onde havia vários litros

de leite, abri um e o estava sorvendo avidamente, quando o

diretor técnico surgiu me puxando pelo ombro e visivelmente

preocupado.

– O que há com você? Falou apertando meu braço.

-Tomei veneno, falei voltando a beber o leite. A intenção era

beber o litro todo.

– Venha comigo mas, por favor corra.

Saímos em desabalada carreira até o estacionamento e mal

havia tomado lugar, arrancamos em alta velocidade com faróis

ligados e mão na buzina em direção ao Pronto Socorro. Lá

chegando com toda a rapidez possível acudiram três médicos,

mas nenhum deles conhecia as propriedades do Ferrocianeto.

Um deles tinha um grosso livro nas mãos e o folheava com

rapidez. Um deles perguntou

– Você disse Ferrocianeto?

–Sim, respondi.

- O antídoto neste caso deve ser algo alcalino.

- Está aqui, respondeu o médico que folhava o livro. O antídoto

é Hiposulfito de sódio.

– Quanto tempo faz que você ingeriu? A

esta altura já fazia uns 35 m. Eu já devia estar morto.

– Qual os

sintomas ? perguntei ao médico.

– Asfixia, este veneno mata

por asfixia, você já devia estar morto Mas quando o médico

afirmara que o antídoto era o Hiposulfito, eu já percebera que

estava salvo.

– Dr., falei, acho que eu tomei o antídoto junto.

– Como? Respondeu o médico.

– Normalmente preparamos o Hiposulfito em outro copo. Mas, como eu não podia correr o risco de baixar demais os pontos finos, coloquei o antídoto no mesmo copo, isso determina menos tempo de ação do

Ferrocianeto, mas produz resultados mais confiáveis.

– Rapaz, você nasceu de novo, pode comemorar. Mas, pode haver

alguma reação colateral, como uma boa diarréia. Falou o médico.

O diretor da empresa deixou-me em casa, mas, minha esposa

havia ido ao mercado ou coisa assim. Bem, pensei se mata por

asfixia, vou subir e descer as escadas, assim acelera de vez o

processo. Mas, não aconteceu nada, nem a tal diarréia. Eu

havia escapado mais uma vez.

SEXTA VEZ – ATRAVESSANDO A RUA NO PEITO...

Naquela época os trens de passageiros ainda funcionavam e

diariamente os trens que saiam respectivamente de Porto

Alegre e Santa Maria cruzavam-se na estação ferroviária de

Ramiz Galvão. Como filho de ferroviário, tinha direito a passe

livre e de vez em quando pegava uma carona. Neste dia resolvi

ir de trem a Rio Pardo. O trajeto era curto, cerca de 3 km.

Quando a composição aproximava-se da estação, havia uma

passagem de nível com a rua que costumávamos tomar para ir

a escola. Resolvi, não sei por que, descer com a composição

em movimento e não havia percebido que estava em

velocidade incompatível com a distância da estação. Tarde para

recuar, Eu já estava saltando e ao tocar o solo fui arremessado

evitando por pouco bater a cabeça no solo mas, atravessei a rua

de peixinho indo parar na outra margem. Felizmente a rua não

era calçada, era de chão batido e tudo que sobrou além de

algumas escoriações, foi o vexame diante dos carros

estacionados esperando o sinal abrir. Um dos motoristas desceu

e veio ver como eu estava e comentou.

– Cara, você tem muita sorte. O seu paletó chegou a roçar a ponta do eixo de uma das rodas. Você escapou de virar carne moída. Com efeito, eu conheço o sistema e sei que a ponta do eixo fica exposta numa cavidade que além de refrigerar, permite a lubrificação dos

eixos. Se parte do casaco rosasse ali, seria enrolada levando

tudo o mais em fração de segundos. Anos atrás havia visto uma

pessoa morrer assim. Ele era surdo e não viu o trem se

aproximando gritei inutilmente e apavorado o vi sumir tragado

pelo mecanismo da locomotiva. A única parte que sobrou

inteira foi um pé ainda calçado e jogado para fora. O resto

virou literalmente, carne moída.

SÉTIMA VEZ – UMA LASCA SOBRE O CAPÔ

Nesta época eu tinha um estúdio em Porto Alegre, na

Travessa da Paz próxima ao parque Farroupilha., mas, meus

clientes eram de Blumenau, Joinvile e Jaraguá do Sul em Santa

Catarina. Eu havia comprado um Maverik 78, salmão, zero km,

o último carro zero que consegui comprar, dando um Corcel gt

como parte do paga mento. Era um grande carro e de todos que

tive, foi o que mais deixou saudades. Usava-o pouco para

viagens em trabalho, preferindo alugar um carro. Mas naquele

dia preferi ir com ele a Blumenau. Naquela época chegava a

viajar duas vezes por mês para atender meus clientes. Durante

os primeiros anos, viajava a noite, mas depois de ver acidentes

terríveis acontecidos principalmente durante a madrugada,

resolvi mudar e agora viajava de dia. Era mais tranqüilo e

chegava a tardinha em Blumenau, agendando as reuniões para

o dia seguinte. Conseguia atender em média, um cliente a cada

dia, pois havia as reuniões de trabalho, mais almoço, reunião

de trabalho e frequentemente o jantar. Estava voltando de uma

destas viagens, quando próximo já a Terra de Areia, preparavame

para ultrapassar um caminhão, quando ao manobrar para ter

uma visão melhor da pista a esquerda, um outro caminhão

aproximava-se e senti que estava muito para dentro, neste

instante os dois se bateram de lado e se desviaram um para

cada lado e eu instintivamente, acelerei mais o carro. Frear,

nem pensar. Passei entre os dois esperando a qualquer

momento sentir aquele tranco cujas conseqüências sabe-se lá

qual seriam.. Milagrosamente passei inteiro em um espaço

inacreditável e mais adiante manobrei o carro com as pernas

ainda trêmulas estacionando no acostamento. Os caminhões

haviam parado e os motoristas estavam a examinar os estragos.

Foi então que vi sobre o capô, uma lasca de madeira da

carroceria de um deles. Incrivelmente ela estava ali apesar da

velocidade e da manobra para estacionar. Guardei-a por um

bom tempo.

NOTA: Embora tenha vivido muitas outras situações de

extremo perigo, estas foram as que considero ter estado

realmente a um passo de passar desta para melhor. Em

muitas outras viagens, fui tirado diversas vezes da

estrada, ao parar para trocar um pneu certa vez, descobri

que a roda estava presa e um único parafuso que já estava

por cair, (façanha da revisão que esquecera os outros

parafusos). Levei um tiro muito perto, (cerca de 2 cm) da

costela em uma briga que não era minha. Estive em um

ônibus que ao perder a roda dianteira, atracou-se com um

barranco a esquerda, (a direita era uma ribanceira de uns

40 m). Já fiz um cavalo de pau com um Maverik, para

escapar de cair de um viaduto com 5 m de altura sobre a

outra pista num dia de chuva chegando em Florianópolis.

Depois de tudo, perdi o medo pela morte. No mundo

moderno, nunca se sabe de onde virá uma bala perdida.

O que separa a vida da morte, é uma tênue linha.

Os textos acima, não obedecem a uma ordem

cronológica. Foram escritos na ordem em que me vieram

à lembrança.

Lauro Winck
Enviado por Lauro Winck em 24/06/2010
Reeditado em 24/06/2010
Código do texto: T2339496
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