O ladrão de sonhos

Aquela seria a ultima manhã em que o solo sorriria para Aurora.

Aurora era um reino muito distante. Tão distante que o horizonte estava cego, tentando enxergá-lo. Seus campos eram cobertos pelo verde da esperanças, e suas terras eram férteis como o útero de mãe. No centro, ao lado das montanhas da paz ficava o Castelo do Rei Miramar, que com seu cetro de diamantes, prata e ouro, conduzia o governo e o povo em plena harmonia.

Mas tudo isto tinha contado seus dias.

Havia em sua gente muitas raças e povos nos domínios de Aurora. Elfos habitavam o oeste, trolls simpáticos o norte, e ao sul, dragões faziam a tarefa das abelhas e ao invés de fogo, espalhavam o pólen da fertilidade. Era permitido entre seus habitantes, também a presença de bruxos. Miramar não sabia que estes seres misteriosos, cujas faces preferem manter escondidas sobre o capuz, podem ser traiçoeiros. Não que todos os bruxos o sejam, mas havia um em especial cujo Rei jamais poderia ter confiado, mesmo assim conduziu-o a importante cargo de conselheiro, composto por seleto grupo de doze membros.

É perigoso o que algumas pessoas podem fazer ao tomarem parte de informações privilegiadas.

E Mhal. O tal bruxo, ficou sabendo de muita coisa sobre aurora. Antes Miramar tivesse escolhido seu Irmão, Bhem, para o conselho. Mas seu jeito songamonga o afastou do cargo, e seu irmão de olhos envergados e profundos começou a circular com agilidade pela corte.

Os segredos revelados logo cobiçaram o bruxo.

Dizem que a cobiça é feita de açúcar. Assim como o chocolate. Portanto, difícil de negá-los. Foi o que aconteceu com Mhal, que começou a nutrir em seu coração sentimentos adubados pela vontade se ser mais que o próprio Rei.

Os dias ensolarados então começaram a correr risco.

Era uma sociedade em pleno progresso. No campo cresciam as plantas que alimentavam toda a população fartamente, graças aos avanços e as descobertas. O comércio era pujante, com comerciantes criando as mais variadas formas de vender. Promoções, ofertas, descontos... Tinha sempre uma novidade. Da indústria então nem se fala. Pequenos galpões eram criadouro de máquinas e engenhocas que facilitavam em muito a vida na corte e no campo. Como os mecanismos que levavam água direto em casa, ou as pequenas e fatais armas que ajudavam a caça e a pesca. Para cada necessidade, nascia uma solução. Os mais otimistas juravam que em pouco tempo os homens voariam como as harpias e os anjos.

Era progresso o nome disso tudo. Mas Mhal invejava isto.

Os bruxos sempre tiveram papel destacado na sociedade de Aurora. O pai de Mhal foi conselheiro do rei. Seu avô também, e para aquele bruxo de sentimentos menos nobres, a supremacia dos magos estava em risco com tanto progresso, projetos inovadores e invenções maravilhosas, tão variadas que não sabia de onde vinham.

Não sabia até suceder seu pai.

O conselho tratava de todos os assuntos. Numa das primeiras reuniões a pauta era a possibilidade de greve dos fabricantes de sonhos. Eles eram pequenas bolotas de couraça de tartaruga, nariz de porco, e olhos de águia. Não eram dos seres mais bonitos ou fofinhos que havia em Aurora, mas eram o grande segredo de seu progresso.

Eles não podiam parar de trabalhar.

De suas narinas qual tomada elétrica o ar jogado de volta para atmosfera se transformava em sonhos. Mas não destes sonhos que nos visitam soturnamente e não raro chamamos de pesadelo. Eram os sonhos que nos invadem em plena luz do dia, e nascem como um desejo. Um objetivo. Estes sonhos perambulavam até encontrar uma alma aberta receptiva, e assim uma ciranda de invenções e novas criações eclodiam.

A greve foi evitada com o fornecimento de duas refeições extras.

Porém o plano de Mhal estava elaborado. O fim de tarde foi róseo, como se o sol soltasse lágrimas prevendo nefasto fim de dia. Uma névoa estranha e densa deslizou sobre a cidade escondendo a imensa charrete que estacionava ao lado da fábrica de sonhos. Os guardas inebriados pela fumaça sonífera não ofereceram resistência.

Mhal aprisionou as centenas de Onirical’s e seus ovos.

O sequestrador então partiu para as Montanhas do Nada. Jogou os fabricantes de sonhos no mais tenebroso dos abismos, de onde nenhum sonho consegue escapar. Desde então o progresso desapareceu como o sol. A felicidade foi substituída pela frustração e Aurora por decreto do novo Rei, o bruxo Mhal, passou a chamar-se de Crepúsculo.

Douglas Eralldo
Enviado por Douglas Eralldo em 21/07/2010
Código do texto: T2390576
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