O MENINO

Pula, brinca, rola e sequer percebe que está crescendo. A voz, meu deus, que som horrível. Sua voz soa como o som do proibido. Os ossos estalam como a promessa do constante crescimento. O menino não pára, sorri de tudo, e os fatos, por mais estóicos, transformam-se em breve brincadeira. Quase não mente, mas sua verdade é escorregadia, tem mil corredores, sua boca é como um oráculo sujo de inocência corrompida, onde os fiéis, coitados, procuram por soluções imediatas. Mas, para o menino, tudo não passa de saboroso entretenimento. Ele não pediu para ser santificado, não pretende nos mostrar o caminho, não será o redentor de uma nova ordem que - duvida ele - virá. Sem o menor constrangimento, brinca sobre a gramínea e sobre a guerra, tudo é razão para que ele desperte para a poesia mais esplêndida.

De mãos dadas com sua infância ainda tão presente, o menino não sabe, nem percebe e muito menos compreende que cresceu bem mais do que era esperado ou permitido. E todos, atônitos, ao contemplá-lo através de suas bêbadas percepções, resmungam saudosos e apaixonados: Era uma vez um menino. Era uma vez? Que tolice, que despautério tal conclusão. Ele sempre será esta imagem doce de maturidade indefinida e inacabada. Por mais que ele tenha crescido e teimado em abandonar o escafandro pueril no qual vivia, continuará para sempre infinito e aconchegado em poético colo uterino.

As gírias virão, eu sei, mas o bê-á-bá infantil estará eternamente inserido em sua língua contaminada pela lembrança de uma vida insana e bela que mais parece um berçário. Quem diria. Ele cresceu sem culpa e é incapaz de abandonar o melhor da primeira juventude, pois o umbigo literário ainda o prende à condição inicial.

Inevitavelmente, o tempo ainda operará sucessivas metamorfoses infanto-juvenis e, quando finalmente transformado em homem, ele terá problemas e seus cadernos se encherão de métrica e culpa. Tolice da natureza dotar o menino deste tal inevitável crescimento. Ele perpetuará em sua surpreendente história nos brindando com suas inocentes idéias perigosas, seu constrangimento escrachado e sua cabeça sã repleta de sonetos e loucuras.

EMERSON BRAGA
Enviado por EMERSON BRAGA em 26/08/2010
Reeditado em 25/04/2014
Código do texto: T2460068
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.