Como Agarrar um Comendador 1
Este conto também foi adaptado de um de minhas peças teatrais inéditas.
Na casa de dona Marilucy a empregada Lucineide estava tirando o pó dos móveis quando dona Marilucy entra esbaforida e diz apressada:
– Lucineide, quero que você limpe muito bem essa casa hoje, tire o pó dos móveis e arrume bem a sala de visitas porque o Comendador Arlindo Pimenta vem jantar aqui hoje.
– Tudo bem patroa, eu estou fazendo o possível, mas eu sou uma só.
– Pois trate de fazer melhor, você anda muito relaxada ultimamente. Eu quero que essa casa fique parecendo um brinco. – Vai saindo, mas, pára e volta. – Depois que você terminar eu quero que você limpe também o lavabo.
Lucineide coça a cabeça e pergunta: – Limpar o quê?
– O lavabo sua ignorante.
– Olha dona Marilucy, não gosto quando a senhora me chama de alguma coisa que eu não sei o que é.
– De quê? De ignorante? Isso é o nome que se dá a quem não tem instrução, não tem conhecimento, não sabe nada. Quer dizer burra.
– Não precisa ofender, já entendi. Só falta a senhora me dizer o que é esse tal de lavabo aí.
Marilucy vai até o lavabo e abre a porta dizendo: Lavabo é isto daqui.
– Mas eu pensei que isso fosse um banheiro.
Marilucy fica escandalizada: – Banheiro não! Lavabo é o nome certo. Banheiro é cafona, cafonérrimo.
– Ih, lá vem a senhora de novo com palavra difícil...
– Deixa prá lá Lucineide, se eu for ficar explicando tudo prá você eu não faço mais nada. – Sai.
Lucineide fica sozinha. – Patrão é tudo igual mesmo, pensa que a gente é escravo. – Anda pela sala imitando a patroa. – Lucineide! Faça aquilo... Lucineide! Faça isso... E ainda tem mania de falar difícil pra cacilda.
Marilucy tinha voltado e estava assistindo tudo. – Muito bonito dona Lucineide, é só eu descuidar um pouco e você já fica de corpo mole. Vai trabalhar!
– Não é isso... Eu estava vendo onde está escondido aquele pozinho ali ó...
– Lucineide, não tente me ludibriar... Quero essa casa limpinha para impressionar o Comendador.
– Ai dona Marilucy eu não estava tentando fazer isso que a senhora falou...
Marilucy vai até a porta de entrada. – Eu vou sair um pouquinho, marquei uma hora no Salão do Carlinhos, ele me disse que me fará um penteado especial. Mas, olha só... Eu já volto. – Sai.
Lucineide fica sozinha novamente, larga a vassoura e se senta no sofá. – Agora é assim... Comendador Pimenta prá lá, Comendador Pimenta prá cá... Se ela não agarrar esse homem hoje ela não agarra mais. – Pega o telefone. – Vou ligar para a Creonice. – Disca o número e espera um pouco. – Alô, Crecrê... Sou eu, Lulu... Cê tá sozinha agora? Ah, sei, também... É a dona Marilucy também foi lá. – Nesse momento a campainha toca. – Crecrê a campainha está tocando e eu preciso ver quem é olha depois eu te ligo de novo, tchau.
Vai até a porta e abre, é Maria uma amiga de Lucineide.
– Oi Luci! A dona Marilucy está em casa?
– Não ela foi no cabelei... cabeleilei... ah, ela foi arrumar o penteado. Por quê?
– É que eu tenho uma fofoca prá te contar, e é daquelas cabeludas. Você não vai acreditar... Mas, você está sozinha aqui hoje?
– Tô, é que hoje é a folga da cozinheira. Olha pode ficar à vontade porque a dona Marilucy vai demorar.
– Como é que você sabe que ela vai demorar?
– Eu estava falando com a Creonice no telefone e ela me disse que a dona Iolanda também foi arrumar o cabelo... E quando aquelas duas se encontram e começam a conversar...
– Eu sei... Nem o diabo escapa! Mas me diga mulher como você está?
As duas se sentam no sofá como se fossem as donas da casa.
– Hoje eu estou cheia de serviço... A patroa convidou o Comendador Pimenta para vir jantar aqui hoje.
– Não diga, aquele coroão enxuto... ai se ele me desse bola...
– Ih... eu heim! Você não perde uma né Maria?
– Eu não, você acha que eu quero passar o resto da minha vida lavando o banheiro dos outros?
– Não é banheiro que se fala, é... é... – Faz força para lembrar a palavra. – É lavabo! Falar banheiro é cafonha.
– CAFONA! Luci...
– Ah, cê me entendeu.
– É, mas, eu não quero ficar lavando banheiro pros outros não, um dia ele vai chegar e vai me dizer assim: “- Maria, você é a pessoa que procurei a vida toda.”
Lucineide começa a rir e diz debochada: - O banheiro vai dizer isso prá você Maria?
– O quê? Claro que não né. Quem vai falar isso é o meu príncipe encantado...
– Príncipe... na minha vida só aparece sapo... Mas o que você ia me dizer?
– Sobre o quê?
– Não sei, você ainda não disse...
– Eu esqueci o que eu ia dizer, deixa prá lá.
Lucineide se levanta e pega Maria pelos ombros e fala: – Então a senhora entra aqui feito louca dizendo que tinha uma fofoca cabeluda para me contar e... agora esquece...
– É que eu estou com um monte de coisa na cabeça e fica difícil lembrar tudo... depois eu conto... Hoje a dona Célia está impossível, é Maria vem cá, Maria vai lá, Maria faça isso...
– Grande novidade... Patrãé tudo igual, só muda de endereço.
– É mesmo. – Maria se levanta e anda imitando a sua patroa, dando ordens para Lucineide: – Maria limpe bem esse chão!
Lucineide imita a amiga e responde submissa: – Sim dona Célia, já estou limpando, já estou limpando...
– Agora tire o pó do sofá!
Lucineide imita o toque da campainha do telefone. Maria atende.
– Alô, residência da senhora Marilucy de Sá. Quer falar com quem?... Ah sim, espere um momentinho... – Passa o telefone para Lucineide.
Continua...