A Caixa

A caixa estava sobre a mesa havia algum tempo. Era perfeitamente quadrada, branca e sugestiva. Não estava lacrada e não tinha remetente ou destinatário. Nenhuma identificação. Nada. Estava apenas ali, quadrada e branca sobre a mesa.

Danilo a olhava disfarçadamente de tempos em tempos, perguntando a si mesmo sobre seu conteúdo e dono, sem chegar a conclusão alguma.

Seria alguma entrega? Teria sido entregue ou haveriam de entregar? Se fosse entregue, necessariamente haveria alguma identificação, pelo que deduziu que ainda haveriam de entregar.

Ficou logo intrigado.

Talvez tivessem deixado lá pessoalmente e não enviado pelo correio. Nesse caso não haveria identificação, como realmente não havia.

Desistiu de se perguntar sobre a procedência da caixa, e passou a especular sobre o dono.

Ah, o dono. Que espécie de individuo, recebendo tal caixa, deixaria que ficasse ali desprotegida, à mercê das indagações de qualquer passante com nada mais interessante o que fazer?

Deveria ser um sujeito muito desleixado. E Danilo imediatamente o imaginou barbado, de olhos embaciados, sujo, mal vestido e mal cuidado.

Mas espere! Assim sendo, a caixa deveria demonstrar algum sinal de desmazelo, e não havia nada em toda sua extensão que o demonstrasse. Sua cor sem mancha o negaria, bem como seu formato, em canto algum prejudicado por uma queda inevitável em mãos como as que havia imaginado nosso inquiridor.

Foi, portanto, forçado a mudar de idéia. Passou a visualizar um dono bem barbeado, bem vestido e bastante ocupado. Atribuiu seu esquecimento não mais ao desmazelo, mas ao peso de uma agenda lotada de afazeres. Alguém tão distinto deveria ter tantos compromissos que lhe seria natural o esquecimento do singular objeto. Atrasado, como certamente estaria, deixou-o ali para ser especulado.

Ah, mas... olhando cuidadosamente, chegou à conclusão de que deveria, com toda a probabilidade, pertencer não a um dono, mas a uma dona. Havia, com toda a certeza, algo de feminino nos contornos daquela caixa e em sua superfície imaculada, quase transparecendo uma delicadeza em sua escolha.

Deixou-se levar pelo pensamento e imaginou a suposta dona, com seus contornos delicados em um vestido, abandonando a caixa sobre aquela mesa e se perguntando mais tarde onde a teria deixado. Tão típicamente feminino!

Agora sim, estava convencido. Pertencia a uma mulher.

Satisfeita sua curiosidade sobre o dono, ao menos até onde lhe era possível, passou a devanear sobre seu conteúdo.

E quanta especulação caberia em seu conteúdo!

Caso pertencesse ao desmazelado barbudo, não perderia um segundo que fosse de interesse no que haveria em tal interior.

Mas a idéia de que ali repousavam os segredos de uma bela mulher lhe interessava muito. Talvez a caixa guardasse seus artigos femininos. Quais seriam estes artigos, não fazia idéia.

Talvez contivesse cartas que a senhorita em questão teria juntado durante toda vida. Mas que decepcionante ela seria se tivesse esquecido algo com tanto valor!

Indeciso entre conferir maior valor ao conteúdo da caixa ou ao caráter de sua possuidora fictícia, nosso curioso imaginou as mais diversas possibilidades.

A enigmática caixa poderia conter qualquer coisa deste mundo que coubesse em seus quatrocentos centímetros quadrados de existência.

E assim, Danilo gastou sessenta minutos de vida de olhos fixos no branco objeto, sem chegar à conclusão alguma, e sem diminuir um quer que fosse seu interesse.

Por fim, não aguentando outro segundo sequer de curiosidade, antes que pudesse pensar melhor a respeito, agarrou-se às bordas da caixa e a abriu.

Naira Cirino
Enviado por Naira Cirino em 16/10/2010
Código do texto: T2560761
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