Conto Desencantado - Princesa do Cotidiano

Certa vez, num passado tão próximo
Que nem transformou-se em história
Uma menina falante...Encantada...
Vivia seus dias de glória.
Brincadeiras da infância,
Truques da adolescência,
Vida, luz, alegria,
Tudo de sobra ela tinha
E tudo a sorrir repartia!
Meninices, traquinagens,
Inocência e malícias juvenis.
A retidão também encantava:
Ser humano, coisa importante!
Coisa bonita! – pensava
Era quase bem diferente
Daquelas da sua idade,
De tantas da sua gente.
Num passado tão pertinho
Que até parece ao alcance,
Desenhava-se pra Encantada
Estrada florida e brilhante.
E o tempo segue apressado.
Ela se fez tão querida,
Sempre envolta em bem me quer.
Mas um dia, bem séria, a vida,
Lhe diz que é chegada a hora
De converter-se em mulher.
Pensou, assustou,...corrigiu!
Tudo bem, vamos em frente!
É mesmo assim algum dia!
E como sempre contente
A moça Encantada sorria.
Somavam-se tantos atalhos!
Tantas opções de vida...
Ela olhava divertida
E tentava adivinhar:
“Vou por aqui?”.
“Não...” ”Vou por lá.”
Trocava de novo o rumo
No intuito de só acertar.
Tudo era tão caloroso!
Promessas de um belo porvir.
E a malha da juventude
Ligeira se esparramava
Embaraçava Encantada
Que acaba em se confundir.
Ilusões, engodo dos sonhos...
Um caminho parece ideal!
Embrenha-se por ele feliz
De passo seguro como só sabia fazer.
Pequeno receio, talvez,
Mas nada que superasse a enorme felicidade
Que carregava em seu ser.
Queria dar-se, distribuir sua luz,
Partilhar novos momentos;
Sonha e sabe do que quer
Há de ser e trazer alegria
Pra nova vida...Mulher!
O tempo caminha, impiedoso,
Fazendo o que tem que ser
Nas trilhas por onde vai,
Olha em volta ensimesmada,
Sem muito poder entender
Ocorre que certo dia,
Descobre quase assombrada
Que errou na trilha tomada
E, seja lá por que for,
Tentando tudo que tinha,
Foi encontrar-se sozinha
Nas duras trilhas da dor.
Nada entende dessa lida.
Surpreende-lhe essa vida
Nunca fora assim tão só!
E embora acompanhada,
Passa o tempo e vai estrada
Procura e não acha ninguém.
Quem é? Quase não se reconhece.
Nunca fora mensageira de dor
– ao menos não que quisesse.
Não queria esse papel
E quando se fez dar conta
Da mágoa que carregava,
Guardou-se, muito assustada.
“Melhor viver isolada” - pensava
E pra não ferir ninguém
Preferiu ficar assim;
Num cárcere disfarçado.
Envolta em casulo apertado,
Aguarda o dia da sorte, dia da libertação.
Obedece a marcha do tempo
Aquela menina linda
Lá dentro do peito, escondida.
E passam tantos que a amam!...
Pra quem é força,...alegria
Mas nem percebe doída, magoada
Aturdida, descrente da luz que irradia
Quase nem crê no valor
Que lhe asseguram que tem.
Busca ali, sem muita esperança,
Um canto qualquer que lhe sirva,
Algum, onde, por sorte, ela caiba bem.
E...
Nas roupas que lava, a distração,...desabafo.
Olhos vermelhos, choro escondido
Para não perturbar ninguém.
Cada lágrima que cai
É como chuva pouca em chão esturricado,
Ou junta-se à água e sabão
Pra ver se limpa um bocado.
Mas quanto será preciso verter de água, de sal e de dor
Pra ter o peito lavado?
Outra saída mais leve, são os feitos no fogão.
Ah! De certo que às tortas e bolos
Mesclam-se sonhos açucarados,...os tesouros!
Afinal, o que ela é lhe pertence,
E nem a desilusão destrói tudo de vez.
Delírio daquelas paredes,
Nem precisam ser de amor ou felicidade a dois
Esses arroubos sonhados.

Nessa colméia sem mel... sem parceria...sem nada
Fantasia adocicada unge o sal
De cada lágrima que traz.
Que um dia seque o casulo ... asas abertas ao vento!...
Floresça!... E olhos no firmamento,
Replete o peito de paz.