Para não parar de sonhar

Ele podia parar. Mas decidiu que não.

Pôs os pés na estrada. Ainda havia duas ou três estrelas no céu.

Na terra, ouvia correria, gritos, pontapés e diversos ruídos irreconhecíveis. Resolveu ir adiante.

Cansado. O coração palpitava, não sabia se tinha fome ou sono. Tinha os dois. Agora ele tinha sede. Mas não parou para pegar água no riacho.

Muitas coisas passaram a acontecer em sequência. Um sonho, uma vontade de ir para longe, outra de ir para perto... outra de ficar parado. Fez as quatro. Mas errou o alvo. Foi parar em meio a uma floresta.

Ainda assim continuou em meio àquela mata deserta, escura. Não quis parar. O barulho diminuiu. O medo aumentou. O coração parou. Não conseguia respirar. Mas respirou, finalmente, sorriu e chorou. Estava vivo. Preso no nada, mas vivo. Sabia que não morreria tão fácil, tampouco que viveria tão fácil. Mas resolveu viver.

E caminhou ainda mais. Os pés estavam cortados. Um suor frio estremecia o seu corpo. Era hora de parar. Mas ele resolveu que não.

E foi. E caiu.

Sem perceber, ergueu-se. Os pés nem doíam mais. Estava curado.

A mão tremia, mas nada se comparava às dores anteriores.

Na sua frente, uma nova decisão: escalar ou não as montanhas. Ele pensou duas vezes. As feridas dos pés ainda estavam abertas, as mãos também insistiam em tremer. Pouca coisa ele sabia. De acordo com seus pensamentos recentes aquele desafio seria o primeiro. Ou então era o último. Não importando a ordem, resolveu que iria.

Seguiu. Tentou dez vezes. Fracassou. Continuou. Fracassou. E fracassou mais uma, duas, três... trinta vezes. Parou. Pensou três vezes. Correu. Deu um salto maior, conseguiu desvendar o primeiro grande mistério. Os pés então começaram a sentir-se fracos sobre cascalhos tão afiados. Mas a cabeça estava sã e pedia pra não parar. Escorregou e caiu. Ele nem percebeu quando foi recolocado no lugar em que havia parado. Sabia apenas que estava lá. Firme como a rocha. Cansado.

O sangue que caía dos dedos, braços e das mãos. Era suficiente para saciar a sede que sentia.

Gotas, sujas de terra, caíam em pontos diferentes de seu rosto: ora na boca, fazendo matar a sede, ora nos olhos, obrigando-o a fazer pausas obrigatórias para certificar-se de que a direção em que estava indo era mesmo a correta.

Tirou o que ele acreditava ser o último pingo de sangue dos olhos. Bebeu. Viu o caminho. Agora estava forte, mesmo fraco e cansado.

Viu o percurso inteiro. Decidiu ir de olhos fechados. O sangue que cairia nos olhos dali para frente teria uma trajetória direta para sua boca. Deu certo. Ficou mais forte.

Conseguiu chegar ao topo. Estava forte, mesmo fraco, cansado e ferido.

Não havia outras opções a não ser voltar ou voar. Ele abriu os olhos. Parecia ter uma luz no telhado de seu quarto. Ainda deitado, imóvel, resolveu fechar os olhos. Enfrentou.

Pensou cinco vezes. Ele não tinha asas, mas não se atentou para esse detalhe. Tomou impulso, avançou. Abriu os braços, imitando um pássaro, e fitou uma nuvem. Desabou.

Ficou sem respirar por um longo tempo. O impacto com as rochas foi terrível. Abria a boca para respirar melhor. Saía sangue.

Não tinha mais nada. Tinha tudo. Resolveu parar. Decidiu seguir.

Descobriu que a dificuldade de um desafio é proporcional à capacidade de pensar e agir. Pensou e agiu. Nada era mais duro e desanimador que desistir. Não cometeria esse erro.

Resolveu então que voaria novamente.

Mas ele não tinha asas. Reconheceu.

Abriu os olhos novamente. Levantou da cama. Foi construir duas asas.