POR DETRÁS DAS PEDRAS *

 

 

 

A sensação no alto da torre do castelo abria portas para a abrangência e domínio, abreviando a visão do vilarejo à semelhança de uma minúscula pintura em tela. O amplo fosso, proteção das invasões desvelava mouros em batalha para a conquista de mais um quinhão.

No experimento de defender-me dos invasores, percebi de maneira súbita, que havia sido rendida pela presença da senhora apoiada na bengala a sorrir em minha direção.  Antes de lhe oferecer escolta para a descida debrucei-me sobre o horizonte. Um ritual para o arquivo de imagens do meu velho e estimado baú, de grande serventia para dias mais frios. 

Procurei-a logo a seguir, não havia mais ninguém no pátio.

 

Empertiguei meu corpo para o caminho de volta, bem mais fácil que a íngreme subida para a visita às ruínas do castelo. Recomposta, inevitavelmente teria que adentrar às pinceladas vistas do alto.

 

Debruçava-se ali aos meus pés, como que por milagre, o encanto das ruas circundadas por histórias de perdas e ganhos. Todas culminavam no abraço de uma praça maior ou menor. E por mais incrível que ousasse parecer, em cada dobrada de esquina lá estava a estranha senhora.

 

O chapéu, apesar de desgastado assentava-lhe bem. Concordava com os fios prateados que emolduravam seu rosto. Protegiam a pele de aparência fina e branca. A bengala dava mostras de sobrevida à rudeza, assim como sua vitalidade. O entusiasmo manifesto, apesar dos lentos e penosos passos. Um adereço local.

 

Continuávamos eu e ela naquela sincronia do acaso, quando fui surpreendida por rosas e raízes abrigadas em pedras medievais na fachada de um casarão. Não eram somente espinhos a lhes proteger a forma delicada. As pedras cercavam-nas como verdadeira muralha. Ousei tocá-las, apesar de saber que me encontrava em terras estrangeiras. Um gesto instintivo, inoportuno, porém, irresistível.

Nas proximidades da antiga construção, um grupo de senhores portugueses estava a conversar. Os sons emitidos despontavam ligeiros, dificultando a compreensão das palavras. Ora pois, apesar de próximos, não conseguia repartir minha atenção para ouvi-los melhor. Permanecia sob o feitiço das rosas.

Teriam sido semeadas pelo capricho do homem ou do vento nas entranhas do improvável?

Assim, de repente, sem que soubesse precisar o movimento, um dos senhores portugueses colocou um delicado botão em minhas mãos.

A rosa mãe não chegou a chorar o galho partido. Compassiva, apreendeu minha admiração e o intento do anfitrião. Sob olhares atônitos, a gêmula abriu-se em flor preenchendo o vazio de minhas mãos.

Uma inesperada brisa soprou e desnudou a rosa. Distribuiu pétalas por todas as direções. Não conseguia alcançá-las, apesar do empenho. A maior parte delas voejava em direção à igreja onde eu acabara de visitar a imagem da Santa.

A velha e enigmática senhora acolheu uma, e, pela última vez sorriu para mim.  A bengala aparava ainda seu corpo.

Completava-se o tempo de peregrinação sobre estreitas ruas de pedras e largo coração numa linda cidade medieval de Portugal.

 

 

* Nem tudo foi real. Nem tudo, fantasia...

 

 

 
heleida nobrega
Enviado por heleida nobrega em 12/02/2011
Reeditado em 12/02/2011
Código do texto: T2787930
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