Palavras Mortas
 
Abriu a carta tão esperada. Os dedos trêmulos rasgaram sem método e apressados o envelope. Tentou ler as palavras rabiscadas com a letra máscula, tão amada. Não conseguiu. Uma névoa úmida impedia a compreensão do que estava escrito. Não, não era o sentido que se perdia ou as entrelinhas que não eram lidas.  Eram as próprias palavras que estavam mortas. O tempo as fizera assim, a vida. Dobrou as páginas cuidadosamente e as colocou novamente dentro do envelope rasgado. Levantou a base metálica da fruteira de vidro e ali colocou a carta. Voltaria para ler mais tarde, talvez fosse apenas o momento. Mais tarde, quem sabe, as palavras novamente ganhariam vida e tocariam seu coração. Mas o dia passou e ela se esqueceu da carta, de onde a tinha colocado. A noite chegou e o sono reparador trouxe-lhe sonhos bons. Reviu a carta quando foi preparar a mesa para o café da manhã. Não pensou duas vezes: rasgou-a em pedacinhos e colocou na lixeirinha da cozinha, sem nem mesmo copiar o endereço. Não haveria resposta: para palavras mortas o melhor era o esquecimento. Seria inútil responder com palavras mortas também. (8 de fevereiro de 2011)