Um dia,  nem mais lembrança serei... (EC)
 
 
Ela escreveu a minha história, a repórter. Colocou a minha vida em letras de forma e publicou no jornal. Eu não impedi embora preferisse que ela não o tivesse feito. Não sou tola embora muitas vezes pensem que sou louca. Afinal viver reclusa em uma cidade abandonada, cuidando de cães abandonados e casas vazias, não é coisa para gente normal. Minha vida mudou, desde então e não foi para melhor. Outros repórteres vieram a minha procura, mas não acrescentei mais nada a história que a repórter contou. Aliás, foi ela quem contou a história, sem minha ajuda. Repórteres são pessoas de natureza bisbilhoteira e a moça gastou mais de uma sola de sapato para recuperar os meus passos, os que me trouxeram aqui. Ela fez muitas perguntas, não respondi a nenhuma. Mas pensei a respeito. Então posso até dizer que valeu – pude fazer uma reflexão sobre a minha vida, passado e presente. O futuro? Esse não existe.

Lembro bem de uma pergunta que ela fez. Queria saber como eu gostaria de ser lembrada. Lembro-me também de ter rido e pensado comigo mesma: será que alguém se lembrará de mim um dia? Será que alguém se lembra de mim ainda? Muito pouca gente, penso. Notícias de jornal duram menos de quinze minutos. Quando ela fez essa pergunta eu estava com meus cães e pensei na fidelidade desses animais. Mas pensei também que a lembrança canina é rápida como suas próprias vidas e não são transmitidas. Morre tão logo eles morrem também.
 
 
Fico pensando se isso teria alguma importância, ser lembrada. Fico pensando isso porque muitas pessoas nunca serão esquecidas, mas isso não muda a realidade delas: estão mortas.Politicos, milionários, artistas, intelectuais, esportistas, cientistas, bandidos, muitos deixaram lembranças que, boas ou más, perdurarão por muito tempo.Mas serão só as lembranças. As pessoas que as provocaram continuam vivendo, mas só através dessas lembranças – quem estará vivendo serão as pessoas que absorveram essas lembranças Talvez seja por isso que eu nunca tenha me preocupado com a vida depois de mim. Ela continuará – eu não.E nada vai mudar a realidade: Sei que um dia serei lembrança para poucos. Mas sei também que um dia nem mais lembrança serei. E isso realmente não terá nenhuma importância.
 
 
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