A carta

“Por meio desta venho despedir-me, de ninguém, ou de ninguém em especial, não que não exista ninguém de quem goste, ou vá sentir falta. Bem, faço assim, começo novamente.

Por meio desta, me despeço de todos os que se dêem ao trabalho de lê-la, seja por curiosidade, falta do que fazer, ou pura saudade; se seus olhos se derramam por estas linhas, preenchidas com caligrafia precária, de você eu me despeço. Ou talvez não, talvez apenas escreva isto, leia, dê uma boa gargalhada e deixe esta ideia para trás.

Antes de qualquer coisa, que fique claro, ou melhor, cristalino, que não faço o que faço, na verdade, talvez faça o que possa vir a fazer, por depressão, cansaço ou desagrado. Seria, no máximo, se for necessário um termo depreciativo, um certo aborrecimento. Mas do meu ponto de vista, o mais, se não o único, relevante no momento, é uma questão de curiosidade. Há muito o que aprecio nesta vida, e mais outro tanto que já apreciei; como um abrisa refrescante em um dia quente, ou aquele sorriso tenro de avó, quando entregamos aquela porcaria de desenho mal feito na aula de artes. Claro que não posso listar aqui, tudo que me é agradável neste mundo, mas algumas destas coisas tenho de citar, para que saibam que da vida sei gozar, que não é por desapego, que penso em fazer o que penso.

Entre elas, não posso deixar de lado aquela conversa franca entre amigos, regada a muito álcool, onde um tira sarro do outro e todos riem abertamente. É de suma importância, lembrar do beijo da moça bonita, ou a antecipação que sufoca logo antes de penetrá-la, quando ela o convida de pernas abertas, a sensação de sermos um enquanto os quadris se batem, ritimados em obscenos movimentos, e então, aquele incrível desprender-se do mundo, quando chega o orgasmo. O que me faz pensar, que sexo é realmente o supra-sumo dos paradoxos, pois ele é, do ínicio ao fim, uma busca da mulher pelo orgasmo, e o homem fugindo dele. Não quero que pensem em mim como depravado ou algo que o valha, tem muito mais que me agrada, coisas deveras poéticas, espirituais, e que de forma alguma, envolvem penetração de qualquer sorte.

Como acordar três quartos de hora antes da alvorada, se mandar para o banco da praça com três cervejas (da grande, isto é importante), a fim de vê-la lançar infinitas lanças douradas que rasgam a escuridão. Enquanto a mente meio turva, levada pela semi embriaguez, divaga. Ou então simplesmente saber, que quando o fantasma da tristeza, se pendura em nossos ombros, existe alguém disposto a espantá-lo, podemos chamar este alguém, de um amigo, um amigo de verdade. Digo isto, pois existem companheiros, colegas, conhecidos, amores, estorvos, e também amigos, verdadeiros, puros, que definem a palavra “amizade”, um milhão de vezes mais precisamente, do que qualquer versículo de dicionário.

Existem coisas simples, como um copo de um bom uísque, comer até ser incapaz de respirar, topar o dedão em um paralélepipedo e conseguir rir disto. E coisas não tão simples, como iniciar um relacionamento amoroso, afetivo, carnal, qualquer um que o diabo nos mandar, e eventualmente, quando a inevitável saturação tornar-se insuportável, terminá-lo. A lista se arrasta infindávelmente, jogo para meu querido leitor, miseros exemplos, uma pequena porção de um todo; percebe agora, como destas delícias da vida, sou irrefútavel apreciador? O problema é a maçante repetição.

Tudo que disse até o presente momento, é deveras prazeiroso, porém, passado determinado tempo, é mera repetição, intragável, interminável, intragável repetição. Percebe, ó desocupada pessoa que lê minhas inúteis divagações, o que quis dizer-lhe com aborrecimento? Chega certo momento, em que entramos em um círculo vicioso, que nos mantêm encarceirados numa atroz mesmice, até que num derradeiro isntante, todos atinjamos nosso fim comum. Outro fator que me leva a considerar tão inusitada opção, sim, opção, não fuga ou coisa do gênero, é isto: todos singramos, por rotas distintas, oceanos diversos, por tempo incongruente, para um mesmo ponto. É fato que, seja você o mais nobre ser humano, ou o mais desprezível bípede dotado de raciocínio, todos acabamos sob um leito de terra; ou pó ao vento, poeira ao mar, o que quer que você prefira ser quando for apenas carcaça. Então, pense comigo, não tem uma parte sua, por microscópica, ínfima que seja, que quer descobir o que há de vir? Chegar lá e saber se realmente vale a pena ser uma pessoa imbuída de valores, ou se tanto faz?

Bem, desde pequeno a curiosidade foi um dos meus traços mais fortes, aí, resolvi acabar com esta protelação de similares eventos, que é vulgarmente conhecida por vida. Ou não, antes vou tomar uma cerveja, reler isto, ligar para uma garota bonita, que não tenha muitos escrúpulos; e aí, quem sabe?

De qualquer modo, fica aqui o meu adeus, ou um até logo, pois afinal, para onde vou, vamos todos.”

Pietro Tyszka
Enviado por Pietro Tyszka em 22/02/2011
Código do texto: T2807221
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