Processo

Ela ria de tudo, até do que não era considerado engraçado pelo senso comum. Bastava um comentário qualquer, ela já estava dando gargalhadas, numa média de uma risada a cada duas ou três falas. O riso era uma arma, uma autodefesa. Por esse comportamento, era intitulada de boba, esquisita... Isso até irritava um pouco as pessoas, que nem sempre estavam dispostas a aturar seu eterno aparente bom-humor. Às vezes, a vida exige seriedade.

Naquele dia, porém, ela estava diferente.

– O que você tem?

– Eu não sei.

No fundo, não queria descobrir. O que faria se soubesse? Nada. Então era melhor não saber mesmo.

– Que isso, menina? Ai, para de chorar! Para com isso! O que você tem?!

– Nada!

– Então para de chorar feito criança!

Não gostava que a chamassem de criança. Logo lágrimas involuntárias inundavam-lhe os olhos, prova concreta da veracidade da acusação. Era criança sim! Uma criança grande e orgulhosa! E o comentário da mãe só fez aumentar a intensidade do pranto. A mulher suspirou nervosamente e retirou-se da sala, deixando-a só. Não tinha a menor paciência com a filha. Não a compreendia... Mas se nem a própria garota se entendia...

Ultimamente, não achava graça em nada, tudo parecia igualmente monótono e enjoativo. A princípio sentiu-se incomodada, angustiada ao extremo com aquela sensação incomum de tédio, como se a vida não bastasse mais para ela... Depois foi se acostumando e deixando que aquilo tomasse conta de seu interior atormentado. Então se tornou depressiva. Os amigos e familiares começaram a ficar preocupados. “É uma fase, vai passar”, todos imaginavam. Mas para quem sente tudo parece eterno...

Qualquer novidade sempre assusta até se tornar hábito. Ela demorou a entender o que estava acontecendo, talvez só tenha de fato se dado conta tempos depois. Em uma tarde nublada, sentada na cama antes de pegar no sono, organizando os pensamentos, ela se fez uma pergunta súbita. “Então é assim, a gente tem que sofrer para crescer?” Jamais se respondeu. Entretanto, uma luz acendeu ali dentro. E ela passou a olhar a vida de uma forma diferente, agora sem tristeza ou agonia. Não ria mais de tudo, mas não deixava de rir constantemente. Corrigiu algumas opiniões, desfez alguns valores radicais, acrescentou novos conceitos aos seus, ampliou sua visão de mundo... Apenas amadureceu e seguiu em frente.

Nicole Ayres
Enviado por Nicole Ayres em 25/02/2011
Código do texto: T2813391
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