RETRATO DE MÃE

Sara arrumava alguns objetos no sótão, empilhava caixas, limpava quinquilharias, até se deparar com um antigo álbum de fotografias da família. Tirou o pó que cobria a capa, analisou a imagem de um belo pôr do sol na praia que coloria aquele invólucro, sabendo qual seria a imagem com a qual se depararia já na primeira página.

Lembrou-se do dia em que a mãe tirara aquele retrato, elas haviam brigado por algum motivo insignificante e ela sabia que a mãe estaria com aquele olhar intransigente, cruel e de reprovação que sempre exibia quando impunha autoridade sobre os filhos.

Sara relutou ao abrir aquele pequeno livro com lembranças, tinha medo do que encontraria. Conviveu durante anos com a empáfia daquela mulher e não estaria pronta para encontrar com ela novamente depois de tantos anos de sua morte.

Lembrou da fase da vida em que apenas um olhar da mãe já a fazia estremecer. A mãe tinha diversas formas de encarar os filhos com aqueles enormes olhos castanhos. Um olhar para dizer que estava satisfeita com alguma tarefa bem realizada, esse era muito raro, lembrou com tristeza, outro para demonstrar indignação com alguma atitude errada das crianças e, por fim, outro para demonstrar que estava irada, completamente insatisfeita com alguém e era aquele olhar que Sara estava temendo encontrar na primeira página do álbum de fotografias. Ela sabia que ele estaria ali porque naquele dia tinham brigado feio e a mãe estava muito injuriada com ela.

Sara alisou o objeto em suas mãos mais uma vez e o abriu, relutante em olhar para os olhos furiosos no retrato da primeira página, desviou os olhos por alguns instantes, vendo primeiro as mãos da mulher repousando suavemente no colo, uma sobre a outra, colo do qual muito pouco desfrutara quando era criança. Subiu um pouco mais os olhos e enxergou um corpo franzino dentro de roupas humildes, em tons de cinza e preto. As mangas longas escondiam braços magros, mas musculosos por causa do esforço que eram obrigados a fazer no trabalho puxado na lavoura.

Os cabelos compridos e mal cuidados caíam sobre os ombros com pontas secas e ásperas. Sara elevou os olhos mais um pouco e encontrou de frente o olhar da mãe.

Respirou fundo e a surpresa a envolveu quando analisou aqueles olhos mais uma vez.

O que a Sara adulta enxergou foi um olhar de medo, preocupação, não o olhar de ódio que a criança pensava ter visto. Ela viu algo que chamou sua atenção, sua mãe estava aflita, preocupada em educar bem os filhos, em especial a filha mais velha e rebelde com quem havia brigado naquele dia.

Sara acabava de entender que a mãe não fizera aquilo porque era uma pessoa má em sua essência, apenas porque tinha o dever de criar sozinha três filhos pequenos, já que ficara viúva muito nova e deveria manter a autoridade sobre eles a qualquer custo. Não podia mimá-los, tinha que ensina-los que a vida não seria fácil e não os afagaria.

Os olhos de Sara encheram-se de lágrimas ao perceberem ternura no olhar forte da mãe, ternura e preocupação.

- Por que nunca demonstrou esse carinho quando era viva, mamãe? – Sara se perguntou em silêncio, alisando a imagem do rosto da mãe, daquela mãe com quem tanto divergiu por não concordar com a imperatividade e autoritarismo.

Mas não era nada daquilo, percebeu que estava completamente enganada com a percepção que tinha de sua mãe, ela não era autoritária, severa, ela era uma mulher viúva, com três filhos para criar e queria, acima de qualquer coisa, prepara-los para a vida.

Seus olhos encontraram os da mãe mais uma vez, agora sem medo, sem mágoa, apenas com gratidão e arrependimento por não ter entendido a tempo suas reais intenções quando agia tão incisivamente sobre o comportamento dos filhos, ela queria que eles se tornassem pessoas fortes e de princípios e, isso ela conseguira. Do alto de sua suposta ignorância de pessoa iletrada, conseguiu formar três cidadãos conscientes, trabalhadores e responsáveis.

- Obrigada, mamãe. – Falou baixinho. Entendera o amor que ela tinha lhe dado e o que ela fora obriga a fazer na sua criação e, agora que também era mãe, sabia que faria qualquer coisa por seus filhos, até tratá-los com severidade, se isso fosse necessário.

Elayne Sampaio
Enviado por Elayne Sampaio em 15/03/2011
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