Paciente 127
Minha mãe refere-se a ele no passado. Como se tivesse deixado de existir. Minha avó, a olhos vistos, demonstra alívio. E ambas relatam que a vida foi-lhe subtraindo aos poucos o seu jeito delicado de lidar com tudo e todos, sua identidade, suas amizades, sua própria família, seu tempo, seu espaço. E acrescentam o quão difícil era conviver com essa ‘outra pessoa’ dentro da mesma casa.
Eu não tinha esse sentimento. Para mim, continuava sendo o meu avô querido.
Os médicos afirmavam: “ele tirou os pés do chão” definitivamente. “Este não é mais o seu mundo. Não é mais a sua realidade.”
Lá está ele sentado sob a sombra da figueira. Costumo fazer-lhe uma visita a cada quinze dias. Aos poucos... sinto que foi saindo de minha vida. E as indicações sinalizavam o ‘para sempre’.
Amava intensamente os momentos usufruídos em sua companhia, principalmente quando caminhávamos sob o céu estrelado. Cada qual tinha a sua própria estrela e cada uma delas, a sua própria história. E cada uma cintilava diferente da outra. Ainda as vejo assim, com os olhos dele.
Agora, observando-o tão só, assalta-me uma tristeza maior que a lua. É quando choro estrelas...
Tristeza de não mais me reconhecer como neta ou mesmo como uma pessoa querida. No entanto, após minha chegada e abraço afetuoso apreendo um brilho humano e sutil em seu olhar.
Costuma falar pouco durante as visitas e quando emite um som, acena com frequência de forma negativa. Talvez tenha seus motivos. Ninguém nunca demonstrou interesse em suas histórias. Não houve árvores e ouvidos disponíveis. Tampouco, sol.
Sua aparência, agora é tranquila. Parece não se importar de não ter mais nome. Na clínica, ele é tão-só, o paciente 127.