Album de fotografias(EC)

De vez em quando ela se permitia recaídas. Retirava o velho álbum da gaveta emperrada e o levava para a pedra, junto ao Rio. E lá, folheava distraída, as páginas com as fotos amarelecidas...

Gostava mais de olhar aqueles que nem conhecera: os avôs, os dois – um, com seu jeitão de homem sério, o outro, galhofeiro. Lembrava-se das histórias que a mãe e o pai contavam deles, como se fosse uma disputa para ver qual tinha aprontado mais.

As avós, as duas. Delas herdara o nome, que unidos formara um único: Mariana. Marianita. Anita. Ita. Pedra. Pois era ali na pedra, assentada, olhando a paisagem, que seu nome estava se realizando. Ita, a pedra. Ita, ela, a mulher que se transformara em pedra, abdicando de todo e qualquer sentimento.

Não gostava de ser chamada assim, mas ele nunca respeitara essa sua implicância com o apelido. Dizia sempre, mangando dela: você é uma pedra, não tem sentimentos. Mas é uma pedra tão bonitinha, sedosa e refrescante, que eu nem ligo! Não, ela não era uma pedra, não naquela época. Era apenas uma mulher apaixonada que não conseguia mostrar seus sentimentos e por isso endurecera. Sim, agora ela era uma pedra. Queria ser uma pedra. Forçava-se a isso. Mas de vez em quando tinha uma recaída. Principalmente quando se permitia a buscar o velho álbum de fotografias na gaveta emperrada.

E lá estava ele na foto, tão bonito, o escultor de sua estátua viva.  Os dois juntos, caminhando de mãos dadas, por sobre os trilhos da linha, em direção a vida. Mas um dia o trem passou levando só um deles. E o que ficou, para sobreviver, se transformara em pedra. Uma pedra que agora nem é mais bonita e sedosa, apenas saudosa.