Diálogo pela madrugada

A mulher deu para acordar justamente na hora daquele sono pesado, gostoso. Enquanto o marido ronca alegremente, a companheira começa a gemer. O coitado acorda assustado, e ainda desorientado, pergunta:

- Que foi minha veia? Tá sentindo alguma coisa?

- SOLIDÃOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!

- Não entendi... Diz com voz sonolenta.

- SO-LI-DÃO-UM-UM-UM... Repete a mulher com voz de choro.

- Você tá sonhando ou tendo um pesadelo?

- So-li-dão. Você tá com muitas companhias... Eu nunca fui ciumenta, mas aguentar essas afrontas tá me tirando o sono. E se eu não durmo, você também não vai dormir...(começa a chorar e a gemer mais alto.

-Mulher, você não está dizendo coisa por coisa. Vá dormir e amanhã a gente conversa.

Ela cutuca o marido, empurra-o até deixá-lo à beira da cama, faz cócega nos pés dele, aperta o nariz do coitado, puxa-lhe as orelhas e os poucos cabelos que ainda lhe restam...O marido desiste de dormir...

- Que foi agora, querida?

-Você tá cheia de novas amizades e não tenho como vencê-las. Tou é abandonadaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!

- Você tá sofrendo de sonambulismo. Vou levá-la pro Neuro. Vou pedir que ele passe um daqueles comprimidos que lhe deixem nocauteadas.Somente assim poderei dormir sossegado. Se não, daqui uns dias quem vai tá lelé da cuca vai ser eu.

Ela começa a chorar. E enroscando-se no marido começa a desabafar todas suas mágoas e preocupações.

-Tou abandonada, esquecida, ninguém gosta de mim. VOCÊ ME AMA? NUNCA MAIS VOCÊ ME DISSE QUE ME AMAVAAAAAAAAAAAAAAAAAA.

- Mô, antes de dormir eu te disse isso! Esqueceu, foi? Deixe dessas besteiras e volte a dormir.

- Tou sem sono. Converse comigo.

- E o que a gente tava fazendo até agora foi o quê?

Perdendo a paciência o marido diz: DEIXE-ME DORMIR, POR FAVOR!

- So-li-dão.

- Ah, de novo, não!

- Tou cheia de rivais!

-Que negócio é esse de rivais, mulher? Eu nunca lhe trai! Só tenho olhos pra você, minha querida!

- Você me troca pelo martelo, pincel, parafuso, lata de tinta, carro, espátula, fio elétrico, cachorro, gato, livro, Pedro, Marcílio, João, Torquato, violão, reportagens, jornal, revista, e outras coisas mais - diz, fungando. Colocando num mesmo pacote: animal, ferramenta, objeto, gente, etc..

- Pedro, Marcílio e João são amigos e poucas vezes aparecem aqui pra trocar umas ideias- diz o marido pacientemente. Quanto às outras ‘coisas’, perco tempo com elas para colocar nossa casa em ordem ou ajudar alguns amigos em dificuldades, e os animais são nossos e precisam de carinho e atenção. Não sabia que ‘essas coisas’ estavam lhe incomodando. Se assim for, amanhã, logo cedo jogo os seus gatos e seus cachorros na rua, e coloco uma placa no portão da casa: “Proibida a entrada de amigos nesse local”.

Ela começa a chorar desconsoladamente. O marido se sente culpado, e tenta amenizar a situação:

- Deixe de tanta minhoquice . Eu te amo, te amo, te amo.

- Você disse que vai jogar meus bichinhos foraaaaaaaaaaaaaaaaaa!

- Vou não, querida. Prometo-lhe. NENHUM BICHINHO VAI SAIR POR ESSAS PORTAS.

Beijando a cabeça da mulher amada, pergunta:

- Passou?

- Tou sem sono! Diz toda dengosa.

- Diga: Eu vou dormir, eu vou dormir, eu vou dormir.

A mulher pega no sono. O marido levanta pra esvaziar a bexiga, e quando olha pro relógio já é hora de levantar. A coversa durou mais de duas horas.

21/04/11

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 22/04/2011
Código do texto: T2924212
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