SOLIDÃO EM CORES

Solidão em cores

O dia foi difícil.

Horas no trânsito em companhia do rádio.

Janelas fechadas para manter o ar-condicionado.

Para cada cinco minutos de conversa com clientes, duas horas no trânsito.

Ele chega em casa cansado.

O silêncio da mulher diz tudo o que não queria ouvir.

As texturas coloridas nas paredes da sala ardem em seus olhos. A mulher disse que as cores serviriam para espantar a monotonia, trazer alegria para a casa. Foi uma amiga que indicou como sendo a cor da energia positiva, segundo uma tradição milenar vinda sei lá de onde.

Nele, o efeito foi contrário. A impressão que tem é de que o marrom contrasta com seus cabelos brancos e o laranja acentua seu sorriso amarelo.

O som do sapato de cromo alemão, em contato com o carpete de madeira, tem um efeito mórbido em seus ouvidos.

A filha está trancada no quarto, provavelmente conversando pelo computador. Até as diálogos com o irmão, que está no quarto ao lado, com o fone de ouvidos no último volume, são pelo computador. Pelo menos, assim, não brigam tanto. Os olhos verdes da menina estão vermelhos por trás dos óculos escuros. Vidrados na tela azul.

Ele senta no sofá de veludo amarelo ao lado da mulher.

Sua íris reflete a imagem da tevê.

Assistem juntos ao fim da novela.

Ela comenta sozinha, sobre os produtos anunciados nos comerciais.

Ele pensa no dia de amanhã.

Depois do longo banho, regando novos pensamentos que vê escorrer pelo ralo, vai para cama.

A mulher já está deitada e, reclama das contas, dos móveis de quarto que não são trocados há dez anos, da pintura do andar de cima do sobrado. Reclama e responde sozinha: “Quem sabe amanhã não ganho na mega-sena!?”.

Ele pensa no dia de amanhã.

Dia cheio.

Seis clientes para visitar.

Pondera que ao meio-dia estará no carro, a tempo de ouvir o programa dos e-mails. Antigamente eram cartas. Ouvintes escrevem ao locutor para falar sobre os seus dilemas. O apresentador lê de forma dramática e responde com mensagens esperançosas. Ele gosta desse programa, sente-se confortável em saber que existem pessoas com problemas maiores que os seus.

Pela manhã, o silêncio durante o café da manhã.

Ele tenta amenizar sua ansiedade contornando com os dedos as frutas coloridas impressas na toalha de mesa.

A mulher liga a tevê.

Riem, separadamente, de uma notícia bizarra.

Antes de sair, ele deixa uma boa quantia sobre o buffet da sala. O suficiente para a mulher suprir as despesas do dia, a filha ir ao shopping para comprar suas roupas coloridas e cd´s de músicas insuportáveis e o filho sustentar seus vícios; cerveja, cigarros verdes de menta, e sabem-se lá mais o quê. Mais cômodo assim. Sem saber o quê. O menino fica agressivo sem dinheiro.

O homem abre o portão de alumínio. O reflexo solar ofusca sua visão. Rapidamente ele pega os óculos escuros e entre os raios de sol, observa o céu acinzentado da cidade.

A filha passa por ele em direção ao colégio. Ele a vê caminhar com a mochila rosa nas costas até sumir entre as ruas, casas e gente.

Só então ele sai.

Dentro do carro ele ouve o barulho do trem. O eco do barulho do trem chegando à estação próxima de sua casa. Nos intervalos dos barulhos do motor do ônibus lotado ao seu lado, o barulho do freio ralando sobre os trilhos, o motor diesel reduzindo, a carga excessiva reverberando um roxo intenso na cidade.

O farol muda do vermelho para o verde.

Ele sai apressado para mais um dia entre pessoas no trânsito, clientes, fornecedores.

Gente!

Que seja breve.

Marcelo Nocelli
Enviado por Marcelo Nocelli em 02/06/2011
Código do texto: T3009414
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