SUSTO

Nestes dias cheios de violência em que vivemos, fico preparando-me para o pior. Acho que poderei estar de frente com um assaltante a qualquer momento e procuro fazer o que as autoridades sempre estão alertando acerca da conduta da vítima nesses casos. Estou preparado ou me preparando para esse encontro, fazer o quê?

Mas não perco o sono por causa disso. Morro e ressuscito cada noite. Quando me deito para dormir é como se estivesse morto. Minha esposa, no entanto, é como aquele alarme mais sensível e acorda ao mínimo ruído ou situações anômalas e, talvez também por essa razão, eu me embalo e vou embora.

Mas noite dessa acordei e ouvi vozes na varanda da casa, no andar superior, junto ao nosso quarto de dormir. Era Isa falando com alguém que eu não podia identificar, sabe como é, meio dormindo, meio acordado e ainda mais morto do que vivo, imaginei o pior. Chegou a hora, pensei. Levantei a cabeça do travesseiro para me inteirar e exato nesse momento ela entra no quarto de novo e volta cheia de peninhas: dois policiais militares fazendo a ronda noturna costumeira notaram o portão aberto e julgaram que alguma coisa anormal estaria acontecendo e estavam verificando.

Pararam a patrulhinha no portão, um dando apoio e o outro já estava dentro do quintal, arma na mão a procura de um possível assaltante. Minha esposa começou a conjeturar se realmente tivesse alguém poderia ter ferido o policial e por ai afora, coisas de mães!

Tentei dizer que esta era a sua profissão, ele sabe o perigo e tem treinamento especial para enfrentá-lo, blá, blá... E que também nós podíamos ter orgulho de ter profissionais assim comandados pelo coronel Marques de honradez e profissionalismo ímpares que a gente conhece e se orgulha de partilhar da sua amizade.

Tentei dormir, ou melhor, morrer de novo. Antes disso, eu fiquei a imaginar o perigo que aqueles dois amigos anônimos passaram. Por encontrar um bandido? Nem tanto. Eles sabem como fazer, mas eu tive para dar a ordem de ataque às duas feras que tomam conta aqui do quintal.

Um é lorde, sangue azul, da realeza. Um Fox Terrier de pelo liso, tricolor, presente do Carlão para as meninas e que a Carmela batizou-o Sir Lancelot. Para os íntimos, Lance, com seus sessenta centímetros e uns dez quilos de peso. E o pior é que o bichinho já está na idade de casar e ainda não arranjou uma noiva e está “enzinabrado”, tá danado pra querer. Sabe como é, descendente real, talvez algum dos seus antepassados já fizesse parte de alguma Távola Redonda por lá nos tempos idos, não vai sair por ai e ficar engatado em qualquer cadelinha vira-lata em beira de calçada. Não! Ele não faria isso! Mas, tudo tem um limite!... Qualquer dia ele pode estar a reboque numa esquina qualquer.

A outra fera é sanguinária, vingativa, barra pesada. Difícil de conter, também de raça estrangeira, um Yorkshire de pouco mais de dois palmos de comprimento por uns três ou quatro quilos de peso. É terrível! O nome já diz tudo: Killer. Traiçoeiro, só ataca por trás e nem olha nos olhos da vítima. Devido ao seu tamanho, esgueira-se facilmente por entre a vegetação e ainda usa os pelos caídos na frente dos olhos como um disfarce, tal qual àquelas toucas dos ninjas. Ele é muito perigoso, matador por natureza. Só pega nos calcanhares e o Aquiles morreu por causa disso, daí... Prevenir não faz mal a ninguém!

Morri de novo e no dia seguinte fiquei matutando sobre o acontecido. Por que não se valorizam atitudes como desses dois policiais ou tantas outras coisas boas e só há espaço para as ruins, para o mundo cão?

Ops! Mundo cão? Desculpem-me. No mundo dos outros animais não existe isso não! Só no mundo dos humanos que têm um cérebro privilegiado e muitas vezes mal utilizado. Talvez por isto gostem de ver o circo pegar fogo ou a barraca derrubada sem se importar com quem chutou o pau. Incrível! Paradoxal!

Dbadini
Enviado por Dbadini em 15/06/2011
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