Um certo espírito romântico

Nem sei o que fiz daquele momento. Ainda estou trabalhando nele com muito cuidado. Lendo a coisa aos poucos, intermitente.

Não lembro o que estava pensando momentos antes. Mas era em mim que estava imerso, quase afogado. Pensava nos dias de amanhã. E de repente vi uma moto. Apaguei.

Minha cabeça doía. Agora, era olhando aquela minha mão ensangüentada e suja de terra que dava conta do acontecido. No ponto de ônibus surgiram pessoas de que nem sei o nome. Elas me ordenavam que ficasse deitado. Acalentavam-me. Outras diziam que eu estava bem e que tinha sido só uma pancada na cabeça. O motoqueiro estava muito pior do que eu. Era só o tempo da ambulância chegar.

E naquela hora toda só pensava no que não tinha feito. No dia perdido, nas coisas que ficavam expostas no mundo sem eu participar delas.

Desde o primeiro momento nunca pensei que ia morrer. E depois pensei, talvez agora enquanto escrevo, que o último pensamento de um homem não é sobre o passado, mas sobre o futuro. Quem amei ou o que vi não importava. O que me preocupava era sempre o que me excedia. Da vida o que me pegava era o impossível.

Se eu morrer bem velho, talvez eu mude. Mas agora estou sempre preocupado com o que falta ser feito. Acho que não mudarei. O revés disso é que também não sei lidar com o presente bruto. Não sei reter tudo o que ele me diz. É que o presente nunca basta para nada. Ele é sempre insuficiente diante do infinito.Ele está sempre fugindo.

E assim, talvez, eu morra mesmo com um certo espírito romântico. Não o piegas, mas aquela que transborda...

de Castro
Enviado por de Castro em 28/11/2006
Reeditado em 28/11/2006
Código do texto: T304049