O Cine Cisne

Era uma construção lá do início do século XX. Telhado bem apanhado, terminado com gárgulas fantasmagóricas. Portas altas de carvalho trabalhadas a mão e uma escadaria em granito escuro. O prédio era caiado todos os anos, o que lhe conferia sempre bom aspecto.

Seu Galdino não queria presenciar a demolição daquele prédio, onde funcionou o único cinema da cidade. Ele trabalhara na projeção dos filmes por longos cinquenta anos, mas criou coragem e foi.

Uma platéia circundava a área para assistir o que seria o último e derradeiro espetáculo. Ali seria construído um estacionamento para veículos.

As paredes não resistiram à primeira estocada. Um cheiro de passado que decantado estava, parecia tomar conta do ambiente.

Um filme deve ter passado pela cabeça daquele velho homem, os seus olhos já marejavam. Então, tomado por uma solidariedade silenciosa e também emotiva pus-me a divagar acerca de alguns filmes que ali assistira há muito tempo:

-De quê valeriam agora os gritos de “Tarzan, o filho da selva” a força de “Hércules”, aquela corrida de bigas vencida por “Ben-Hur”, a paciência e perseverança de “Papillon”.. etc..

Aquilo era a própria “Ascensão e queda do Império Romano”.

Antes que o último tijolo caísse, seu Galdino deu as costas para aquele estranho show e foi embora. Não, ele não suportaria.

Pois é, quase ninguém se indignou com a demolição de um prédio histórico. Ninguém apupou o seu desaparecimento, mas apupariam com certeza o velho Galdino se nesse momento estivessem eles, numa sessão de cinema e o filme durante a projeção, por infelicidade, enroscasse, como acontecera algumas vezes.

José Alberto Lopes®

Jun. 2011

José Alberto Lopes
Enviado por José Alberto Lopes em 18/06/2011
Reeditado em 06/01/2012
Código do texto: T3043336