Estranhos
- Oi.
- Oi.
- Posso conversar com você?
- Se você quiser.
- Estou cansada.
- Eu também.
- E porque não vai para casa?
- Não sei não, e você porque não vai?
- Sei não.
- Acho que não quero.
- Eu também.
- Mas por quê?
- Não sei, só sei que não quero, e você?
- Também não sei, só não quero, acho que estou mais cansado da minha casa que do meu trabalho.
- É, eu também.
- Posso te contar uma coisa?
- Claro, eu até sentei aqui para falar com você, te interrompendo, pode me falar o que quiser.
- Não tem problema, eu não estava fazendo nada para ser interrompido mesmo, é só que, bom, eu ia falar, o que eu ia falar?
- Não sei não, você que ia falar.
- Bom, mas esqueci, não lembro não agora, talvez se voltássemos a falar a mesma coisa que estávamos falando eu lembre.
- Mas o pior é que nem me lembro mais o que estávamos falando.
- Nem eu.
- E se começássemos tudo de novo.
- Tudo o que?
- A conversa.
- E como?
- Assim – ela se levanta – Oi – senta-se novamente.
- Oi.
- O que mesmo que eu disse depois de oi?
- Não lembro, o que se diz depois de oi?
- Tudo bem, eu acho.
- Você não perguntou se eu estava bem.
- Verdade! Acho que isso não vai dar certo mesmo.
- Eu também.
- Então...
- Então o que?
- Só para você dizer o que vamos fazer agora.
- Não sei, o que você queria me dizer, quando sentou aqui?
- Nada, acho que estava meio cansada, carente e perdida, só queria falar com alguém.
- Para onde você estava indo?
- O que?
- Você estava perdida, me diga pra onde ia e talvez possa te ajudar a chegar.
- Não sei não, acho que falei figurativamente.
- Hmm, bom, então...
- Então o que?
- Não sei, foi você que começou a falar então.
- Bom, é, eu não sei o que falar.
- Nem eu.
- Você já contou estrelas?
- O que?
- Você já contou estrelas? Eu perguntei.
- E porque eu faria isso?
- Não sei, só estava procurando assunto.
- Bom, então não, e você?
- Não. Acho que já vou.
- Já?
- Sim.
- Por quê?
- Não sei não, só acho que está na hora.
- Hora de que?
- Não sei, mas acho que está na hora, então vou.
- Vai por quê?
- Porque acho que está na hora.
- De fazer o que?
- De ir.
- Para onde?
- Não sei não.
- Então como você vai?
- Como todo mundo vai, com os pés.
- Sim, mas em geral as pessoas sabem para onde vão.
- Eu não.
- Mas por quê?
- Porque o que?
- Porque não sabe?
- Não sei por que não aprendi, oras.
- Mas todo mundo sabe.
- Sabe o que?
- Para onde vai.
- E para onde você vai?
- Para casa.
- Então acho que também vou para casa.
- E onde você mora?
- Não sei não.
- Mas você disse que estava cansada da sua casa.
- Pois estou.
- Mas se você nem sabe onde é.
- Não posso estar cansada sem saber?
- Não.
- Por quê?
- Porque você não pode estar cansada de uma coisa que não conhece.
- E por quê?
- Porque só cansa o que é repetitivo, o que vira rotina.
- E você vai para casa?
- Sim.
- E está cansado?
- Sim.
- E é rotina?
- Sim.
- Pois então eu prefiro nem conhecer, assim não vira rotina e eu não canso.
- Isso não faz sentido.
- Você já experimentou?
- O que?
- Não ir para casa.
- Claro que não.
- E porque não experimenta?
- Porque eu preciso dormir e comer.
- E porque não dorme aqui e não come ali.
- Ali onde?
- Por ai.
- Por ai onde?
- Comigo.
- E onde você come.
- Ali.
- Ali onde?
- Por ai.
- Por ai onde.
- Ah chega, vem comigo que eu mostro.
- Tá bom.
E os dois foram, e não voltaram.