A Pintura

Logo acima da lareira havia um quadro, uma pintura comprada numa loja de antiguidades. A obra retratava uma caçada, onde o caçador solitário e um perdigueiro surpreendiam um bando de patos selvagens. A imagem não era estranha para mim, uma vez que, quando criança, frequentemente saia para caçar com meu pai e um irmão mais velho.

Fiquei ali, observando por algum tempo, enquanto sorvia a fumaça do cachimbo de raiz de roseira sentado em uma poltrona velha. Na verdade aquela cena me trazia a memória tanto boas como amargas lembranças. Um misto de felicidade e sofrimento, que ainda me perturbam.

Seria perfeitamente normal e aceitável que o sofrimento pudesse evocar tristezas passadas, ainda capazes de visitar meu leito e minhas reflexões mais noturnas. No entanto, até mesmo a felicidade vivida era para mim um peso incômodo, uma lembrança lacrimosa.

Invariavelmente me lembrava do caldeirão de sopa fumegando sobre o fogão de lenha, o conforto e o calor da cabana, onde meu velho pai limpava a espingarda assentado sob o alpendre, enquanto minha mãe cosia alguma peça de roupa reclinada na cadeira de balanço, da pistola esculpida em madeira, único brinquedo de infância, feita pelo irmão primogênito, a qual vivia pendurada em um cinturão, que não era nada mais que uma cordinha amarrada à cintura.

A pobreza, de forma nenhuma, era razão de infelicidade, pois, se não vivíamos no luxo, ao menos jamais passávamos fome ou deixávamos de nos vestir adequadamente. Enfim, éramos felizes.

O que me incomoda profundamente não é o fato de ter vivido tudo aquilo, mas de não poder mais alcançar aquele tempo – e já são passados mais de sessenta e cinco anos, desde então – e agora, velho e inválido, gasto meus restantes dias perambulando pela casa, não mais a velha e confortável cabana, mas agora a fria e dura mansão de um velho milionário doente.

Invejo os velhos amigos que, ou caducaram ou partiram pra eterna cabana. Eu, ao contrário, lúcido feito criança de dez anos, tenho como algoz a vívida lembrança da infância, a tortura de sempre ter aquela cena familiar fresca na memória, como se fosse ontem, como se um vidro inquebrável separasse passado e presente.

Enfim, tirando as últimas baforadas do cachimbo, pouso-o no cinzeiro e caminho lentamente ao quarto, meu pré-túmulo, onde logo dormirei o sono eternal.