Bitucas

A cabeça doía, um gole de café, um olhar furtivo, a cabeça ainda doía, um comprimido, mais um gole de café, novamente um olhar, para tudo sem ver nada, os olhos embaçados, coçou os olhos com as costas das mãos, melhorou um pouco, viu as paredes manchadas de vermelho, tentou lembrar o que acontecera, nada mais que borrões vieram a mente, outro gole de café, estava frio, sem gosto, olhou para o chão, tudo estraçalhado, uma pena, pensou, era tudo tão bonito, mas ágoras não passavam de manchas escuras, procurou um cigarro sobre a mesa, encontrou apenas uma bituca, buscou no bolso o isqueiro, mas ates que encontrasse no bolso da jaqueta percebeu que não adiantaria, o cigarro era só filtro, jogou no chão, junto com as marcas vermelhas, sentia os músculos doloridos, não lembrava porque sabia que tinha forçado, os músculos dos braços e pernas, olhou o relógio, estava parado, ponteiro pequeno para o dez e grande para o doze, dez horas, ele tinha que lembrar de qualquer cousa, mas não lembrava, sua memória estava vaga, buscou na garrafa térmica qualquer gota a mais de café, estava vazia, levantou da cadeira que tinha um pé mais curto, quase caiu, mas se segurou na mesa e recuperou o equilíbrio, buscou na primeira gaveta do armário um cigarro, tudo que encontrou foi um monte de bitucas, mas não eram dele, todas marcadas com batons vermelhos, ele tinha a sensação que sabia de quem eram, mas não lembrava por completo, teria que sair para comprar cigarro, não queria, estava cansado, dolorido, olhou novamente no relógio, dez horas, tinha algo para lembrar, mas fosse o que fosse ainda era um mistério, ele não sabia onde encontraria cigarros, então resolveu deixar para depois, quando as coisas parecessem mais claras, olhou para o relógio, não havia saído do lugar, estava quebrado, não sairia do lugar, abriu a geladeira, queria algo para comer, ele sabia o que queria, mas esqueceu, então fechou a geladeira novamente, deu uma ultima olhada em volta, nas marcas vermelhas nas paredes, e viu, o lixo destampado, se aproximou, procurou a tampa, estava sobre a mesa, pegou e tampou, saiu da cozinha para a sala, as coisas estavam em ordem, subiu as escadas para o quarto, haviam marcas vermelhas pelo chão, subiu até seu quarto, na cama o corpo da mulher, ele olhou, tinha que lembrar de algo, se aproximou, ela parecia dormir, tão serena, só assim para fechar a boca, pensou, olhou para o relógio digital, duas horas e dezessete a.m., esse relógio estava certo, era tarde, olhou para a mulher, de olhos fechadas estacada, sentiu uma lágrima escorrer pela face, e quando percebeu chorava como criança, se deitou ao lado dela, ainda chorando, “Querido?” , a voz da mulher o assustou, ele enxugou as lagrimas com as costas das mãos antes de responder, “Sim”, está tudo bem?”, ela perguntou, então ele lembrou, “Derramei molho de tomate por toda cozinha, e as escadas, quando vim limpar minha mãe aqui no banheiro”, “Porque não limpou a mãe na pia da cozinha, o banheiro deve estar cheio de molho também”, ela disse chorosa, “Sabe que não consigo abrir direito aquela torneira, a água sempre sai mais quente que deveria”, “Tudo bem, quando eu levantar limpo, agora vamos dormir, amanhã temos que buscar a mamãe no aeroporto”, dez horas, marcou mentalmente, de horas, “A sua mãe tinha mesmo que vir, nem deu tempo de jogar as bitucas da ultima visita dela”, ele falou, “Dorme logo”, ela se virou e dormiu, ele não, ficou olhando para o teto, odiava a pia da cozinha, o tipo de embalagem de massa de tomate que a mulher comprava, era sempre tão difícil de abrir, ele sempre acabava derramando por tudo – adorava comer massa de tomate – mas o que ele mais odiava era o fato da mãe dela deixar as bitucas na gaveta.

Amanda França
Enviado por Amanda França em 18/08/2011
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