O crepúsculo de...

Durante muito tempo, acreditei que ele me amava. Agora, ainda acredito, possivelmente. Sentada na varanda, de frente para a entrada da casa enquanto o crepúsculo vai se anunciando para os meus olhos, espero Marcel para terminarmos a conversa de hoje de manhã. É impossível não pensar. Deixar de pensar para dar lugar a emoções incontidas seria também deixar que as coisas se evaporassem com o tempo. Mas nada posso fazer a não ser segurar o passado com o pensamento.

Quando perguntei a ele se alguma coisa de errado estava acontecendo certamente sabia a resposta em meu íntimo: o amor já não existia. Mas em sua totalidade? Não. De jeito nenhum posso pensar numa atrocidade dessas. Um amor não acaba assim como um tiro no peito. É como esse crepúsculo. Lentamente aquilo que antes era frêmito ao meio dia vai se esvaziando na escuridão e na solidão. Agora, quero saber o tempo exato no qual estamos. Aonde habita o nosso sentimento? Perto da foz, onde tudo tende a aumentar e se desdobrar, ou já na calmaria das águas do oceano? Sinto-me no meio da travessia e temo ser levada ao fundo antes de poder me agarrar a qualquer coisa. A consciência é uma rocha que corta a correnteza dos sentimentos.

É a última vez que piso nessa varanda, nessa casa. É a última vez que sinto - mas percebo nessa sensação um toque de uma vaga lembrança, uma mera associação da minha memória interior, porque todo o presente passou a se embrenhar de um gosto azedo, nauseabundo, que me faz querer sair desse lugar. O momento atual tem em si um momento anterior que cobre todo o tempo restante - o cheiro das nossas roupas entrelaçadas, o clima afetivo de nossas tardes. Tento aproveitar cada segundo, respirar cada partícula de oxigênio, porque não consigo mais habitar o estado do meu agora. Mesmo não sendo verdade, a possível mentira me modificou. Eu ainda o amo. Mas não posso ser tangida por uma dúvida e depositar nela todas as minhas certezas. É que tenho que idealizar alguém para poder construir nesse alguém algo parecido comigo. Ele tornou-se um espelho partido onde não me reconheço. E como viver onde já não se reconhece? Tenho de começar a arrumar as malas.

Não tenho coragem para recomeçar. E todo esse acontecimento sem nenhum fato para explicar a eclosão. Nenhuma briga séria, nenhuma amante. Apenas o deterioramento natural dos sentimentos, assim como acontece naturalmente com a vida. Às vezes, é uma consciência de preservação que joga o inevitável para o infinito, dando um ar assim de eternidade. Às vezes, é a ausência de coragem do homem para sair do hábito. Abrindo espaço então para a monotonia e a morte de cada um. Será que já estávamos num processo gradativo de monotonia? Estou equacionando tudo corretamente? Talvez eu tenha esquecido de me agarrar com força à rocha e minhas mãos fracas começam a escorregar, tocando o invisível. Nesse momento de consciência, agarro de novo a rocha e acorrento o pensamento que corria sozinho. Preciso me habituar a desconstrução.

As malas já estão arrumadas e tudo que me resta fazer é caminhar para a porta. Pego a maçaneta e giro para a direita. Será doloroso sair e enfrentar a vida. Porém, não posso me esconder nos novos fatos e me proteger na alegria. Qualquer sinal de alegria seria uma falsa proteção. A tristeza futura seria incompreensível e profunda. Não tenho ainda total coragem para ir embora, mas preciso criar uma liberdade... Mesmo sabendo que talvez ela tenha como projeto um novo tipo de aprisionamento.

de Castro
Enviado por de Castro em 16/12/2006
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