O sol então brilhou mais forte
O pai não perdia a filha de vista.
Ela tinha seis anos, cabelos lisos e loiros, pele clara, brilhante, e um olhar vivo de menina saudável, feliz. Vestia o uniforme da escola (saia azul e camisa branca), e estava de tênis, porque era dia de Educação Física.
Ela adorava a escola, mas naquele dia não foi à aula.
Fazia frio onde ela estava: um lugar bonito e calmo, com árvores frondosas, grandes, as folhas balançando ao vento, e flores, muitas flores, brancas, rosas, vermelhas e roxas, espalhadas para todo lado.
Mas nem tudo era beleza ali.
Próximo a uma capelinha amarela, na sombra de duas enormes castanheiras, um grupo de pessoas chorava ao redor de um buraco no chão, um buraco grande e fundo.
A menina deu uma olhada, curiosa, e saiu correndo.
A mãe e o pai estavam lá, em pé, olhando para dentro do buraco.
A mãe chorava desconsolada.
O pai parecia triste, mas não chorava.
Ele tinha 35 anos. Era alto, magro, o olhar sereno, calmo. Estava ao lado da mãe, mas não perdia a menina de vista. Quando ela se afastava, ele a chamava: “Vem cá, menina”. Ela ia, bem devagar, e no seu ouvido ele dizia: “Fica por perto, viu?”.
E ela ficava por ali mesmo, lendo as frases talhadas nas pedras lisas e brilhantes, enormes leitos de pedra, cheios de cruzes e imagens. Saudade, saudade... Por que aparece tanto a palavra saudade? Ela queria saber, mas não perguntou ao pai, que cochichava no ouvido da mãe, abraçando-a com carinho.
Ao chegarem de carro, minutos antes, ela tinha perguntado: “Que lugar bonito é esse, papai?”, e ele respondera: “Depois eu te explico, meu bem. Agora não posso”.
Tinham encontrado a mãe chorando, desesperada, sentada em um banco de madeira, ao lado de uma velhinha pequena, de cabelos brancos, que, ao ver o pai, abraçou-o com carinho, e depois olhou para a menina, sorrindo.
Mais tarde, junto ao grupo que chorava sob as castanheiras, a menina viu de novo a velhinha, o rosto meigo, os cabelos presos num coque alto de bruxa boa, acariciando com mãos enrugadas e tortas a cabeça da jovem mãe, que soluçava, cheia de pranto.
Foi quando a menina ouviu o latido de Tereza, sua cadela vira-lata.
“Vem cá, Tereza, vem cá”, ela gritou, e a cadela veio, abanando o rabo, feliz.
“Como você conseguiu sair do carro?”, ela perguntou, e a cachorrinha pulava e lambia seus olhos, mãos e lábios.
“Você melhorou, Tereza”, a menina disse, e Tereza pulava, cheia de vida.
“Venha, vamos contar ao papai”.
Mas o pai levantou o dedo, sério, e disse: “Agora não, filha, agora não. E leve a Tereza para lá”.
“Tá bom, papai. Vem, Tereza, vem”.
E elas foram, felizes, olhando tudo.
Curiosa, ela lia os nomes, as frases...
“Olha aqui, Tereza, tem seu nome aqui nesta pedra... Ah, mas é com ‘s’: Teresa de Jesus, 1934-1999...”.
De repente, no céu frio, de nuvens cinzas e carregadas, o sol começou a brilhar, e a menina sentiu uma alegria tão grande que teve vontade de dançar, como fazia na escola, no recreio, com as colegas, e de correr, pular, brincar...
Então ela correu, pulou, dançou, brincou, e Tereza com ela, latindo, correndo, o rabo abanando de alegria boa, plena.
Lá longe, no buraco, ela viu as pessoas se dispersarem.
O pai e a velhinha vieram em sua direção, chamando-a.
“E a mamãe?”, ela perguntou quando os dois chegaram.
Silêncio.
Ah!
Um espanto lhe arrepiou toda.
Não esperou a resposta. Não precisou.
Ela sentiu, lá no fundo, que a mãe não ia.
“Vá com a vovó”, disse-lhe o pai, sorrindo.
“Posso levar a Tereza?”.
“Claro que sim, querida”.
Ela então abraçou a avó, que ela nem conhecia. Mas não teve medo. Sentiu-se quente, acolhida, protegida.
E chamou Tereza, que veio correndo, os olhos sorrindo, pronta para partir.
O pai lhe deu um beijo e disse: “Mamãe precisa de mim”.
O sol então brilhou mais forte, e ela se lembrou do pai chamando-a, logo depois do almoço, ela de uniforme, chorando, com Tereza nos braços, e ele dizendo: “Ela está velhinha, doente, não vai viver muito, querida... Mas vamos tentar ajudá-la”. Eles então entraram no carro e partiram. Passariam primeiro no veterinário. Depois ela ficaria na escola.
Mas isso não aconteceu.
O acidente...
Ela se lembrou do acidente...
Foi tudo tão rápido...
Um caminhão desgovernado, carregado de carvão...
“Mamãe ficará bem?”, ela perguntou.
O pai sorriu. “Sim, meu amor, mamãe ficará bem. Estarei com ela um pouco, até ela se fortalecer, superar a perda, entender... Depois nos encontraremos”.
“Papai...”.
“Sim, querida”.
“Eu te amo”.
“Eu também te amo, minha vida”.
E se abraçaram.