Cécilia

Antes mesmo de se formar professora, sua decisão pela sala de aula havia sido tomada. Aquele era o seu ambiente. Alunos, falta de rotina, provas a preparar, aulas inéditas, chamadas, diário escolar.

Tão rápido familiarizou-se com a burocracia escolar, na mesma velocidade ganhara a simpatia dos alunos. As séries finais tornaram-se a sua preferência.

Não que Elisabete recusasse outras séries, mas os adolescentes eram melhores discípulos.

O ano era 2008, a turma do 9°B se formaria em dezembro. Mal começaram as aulas, todos falavam na festa da formatura, como se tudo fosse girar ao redor da comemoração.

Exceto por Cécilia, que raramente se manifestava, os alunos eram agitados e empolgados.

O silêncio daquela aluna incomodava, excessivamente, Elisabete, que decidiu aproximar-se da garota a fim de descobrir o que aqueles olhos misteriosos e tristonhos queriam dizer.

A primeira coisa que a nova professora quis saber foi sobre a grafia do nome da aluna, que se explicou dizendo que era filha de franceses, sendo assim seu nome fora grafado conforme o idioma materno. Bete, como era chamada por todos, achou graça naquilo e logo imaginou que Cécilia estava farta daquela pergunta tola, porém evidente.

Bastou aquela indagação para ambas se afinarem, e darem início a uma amizade sincera, mas que traria novidades no decorrer dos meses.

Bete era solteira por opção. Teve excelentes “partidos”, como diziam suas amigas, no entanto nenhum selou seu coração. Via nos alunos a maternidade sendo efetivada. Não sentia falta do parto, do próprio filho. Seus alunos a bastavam.

Levava uma vida sem exageros e sem necessidades. Era bonita, inteligente o suficiente para ser professora, discreta em sua rotina.

Cécilia, por sua vez, era desinteressada pelos estudos. Bete dizia que ela apenas frequentava a escola e teria seu diploma à base de notas medianas, mas que a fariam passar o ano.

A professora notava que a oralidade de Cécilia era impecável. Sua participação em aula, embora rara, era absolutamente convincente e arrasadora. Isso lhe garantia acréscimo nas notas, ao final do bimestre.

Tão logo Cécilia percebeu que sua professora trabalha às avessas, tratou de se aproveitar dessa destreza, pois era raro surgir um professor que valorizasse o que o aluno apresentava. Normalmente, Cécilia recebia observações tais como “não fez dois exercícios, dos quinze que foram solicitados.” Com Bete era diferente. Aquela professora reconhecia o que era feito, mesmo que fosse pouco, pois o pouco para Bete era o que contava.

Sem que ambas se dessem conta, a amizade crescia de forma agradável e confiante.

Bete, às vezes, sentia que mestra estava no lugar da aluna e vice versa, de tão envolvente que era estar ao lado de sua preferida aluna.

Para ambas era claro o papel de cada uma, mesmo a amizade tendo ultrapassado o limite da escola. Bete visitava Cécilia, em sua casa e o contrário também acontecia.

A professora admirava-se quando via a outra personalidade de sua aluna fora do ambiente escolar. Efetivamente, aquela garota silenciosa e acanhada, que freqüentava o colégio “ Rodrigues e Silva”, não era a mesma. O colégio “Rodrigues e Silva” matriculava toda a classe média da cidade. Esse era seu destaque.

Faltando dois meses para o término do ano letivo, Cécilia chegou à escola com os olhos marejados e, ao mesmo tempo, inchados denunciando muito choro.

Bete, tão logo soube da aparência da aluna, foi procurá-la a fim de saber o que havia acontecido à Cécilia.

Ao ter conhecimento dos fatos, tudo o que Bete fez foi abraçar fortemente sua aluna , e chorar demonstrando compaixão.

Na mente de Bete, uma enxurrada de questionamentos atormentava seus pensamentos. “Por quê”?, “Por quê?”

E mesmo com tantos porquês, Bete não poderia mais esconder de sua aluna aquilo que o destino havia traçado.

A querida professora estava gravemente doente, sem que a medicina pudesse fazer algo.

O tempo voava, os momentos juntas eram frequentes, a saúde de Bete debilitava-se rapidamente.

Chegou o dia do afastamento total. Bete não tinha mais forças, tampouco coragem para lecionar. Cécilia não queria mais sair de perto de sua professora. Vigiava dioturnamente aquela que conseguira arrancar-lhe os melhores sorrisos, aquela a quem deveria ter sido sua mãe.

Tão logo o sorriso se fez em choro, e no derradeiro suspiro Bete pronunciou, com voz rouca e trêmula.

“Vou amá-la para sempre, minha filha”.

Silvana Goes
Enviado por Silvana Goes em 21/09/2011
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