Conto Nublar #033:
 
A INCRÍVEL HISTÓRIA DE JOÃO NINO CENTELHA

ADESCOBERTA DO AMOR
 
Parte 1/3

Assim contou-me Nino Centelho, sua história:

"Nasci no sítio Paraíso, em 25 de Outubro de 1943, às 5 horas, manhã de segunda-feira.

Primeiro de cinco filhos do fazendeiro José João Centelha e Maria Celestina Centelha. Fui muito bem recebido por Dona Josefa dos Santos, a qual fora a única aparadeira do lugar. Todos nós carinhosamente a chamávamos de Mãe Santinha. Ela cortou o meu umbigo com uma tesoura. Após uma tragada bem forte em seu cachimbo, deu uma cusparada bem grande na palma de sua mão e colocou aquilo em meu umbigo recém cortado. Dizem que era pra sarar mais rápido e me dar mais sorte. Ao lado, um braseiro queimando sementes de alfazema para perfumar os cueiros dispostos sobre a cúpula de um balaio médio, para eu ficar com aquele cheirinho gostoso de neném. Fui recebido por Mãe Santinha, única parteira do lugar. Com sete dias tomei o meu primeiro banho, bem morninho. O meu toco umbilical estava sequinho e solto. A ama que me dera o banho, o pegou com um paninho e entregou ao meu pai que correu imediatamente para o curral e o enterrou na porteira para me dar sorte e eu me tornar, no futuro, um próspero fazendeiro.

Além de estarmos em meio à segunda grande guerra, estes são os principais acontecimentos do ano em que nasci:

   . 27/Jan: Os presidentes Getúlio Vargas (Brasil) e Franklin Roosevelt

                    (EUA), a bordo do navio americano, o 'destroier' Jouett, em
                    Potengi-RN, firmam acordo de cooperação de treinamento
                    de guerra  com vistas a envio  de  tropas  brasileiras  para
                    lutar  contra  os  alemães  na  Segunda   Guerra,   surgindo
                    deste encontro a ideia da criação da Força Expedicionária
                    Brasileira, a FEB. 

   . 22/Fev: Portugal e Espanha assinam em Madrid um Acordo Comercial.
   . 23/Jun: O governo português dá a sua "anuência de princípio" para a
                  concessão de facilidades à Grã-Bretanha para utilização
                  militar das bases dos Açores.

   . 26/Jun: Início de um período de greves em todo o país, juntando
                  cerca de 50 mil grevistas e originando centenas de prisões.

   . 9/Ago:  É criada a FEB – Força Expedicionária Brasileira, idealizada
                 em janeiro desse mesmo ano, no encontro entre os
                 presidentes Getúlio Vargas e Franklin Roosevelt.

   . 18/Ago: Assinatura de um acordo entre Portugal e a Grã-Bretanha
                  para a utilização militar dos Açores, acordo esse que é
                  mantido em segredo.

   . 08/Out: Entra em vigor o acordo entre Portugal e a Grã-Bretanha
                  para a utilização militar dos Açores inicia-se o desembarque                     de forças militares britânicas.

Cresci normalmente como todos os meninos da redondeza. Fui educado para ser um homem respeitador, obediente aos pais, respeitar as donzelas, senhoras novas ou idosas e os desvalidos também. Conheci o temor de Deus através deles. Até o meu casamento, fui homem puro e casei-me virgem como a minha mulher também casou. Aprendi que um homem decente jamais ficaria devendo a honra de uma donzela. A moça direita deveria sempre ser respeitada e guardar a sua honra até à morte.

Eu era umjovem puro e lhe garanto que nunca cresceu cabelos na palma da minha mão, tampouco ela cheirava a peixe morto como insinuavam alguns homens tirando onda com a minha cara que ficava feito um pimentão maduro ante essas pilhérias de mau gosto. Fui um virgem zerado até a noite que dormi com minha esposa.

Cresci num bucólico lugarejo, banhado pelo Riacho Missão Nova, afluente do Rio Salgado, este, por sua vez, tributário do Jaguaribe. Na fazenda do meu pai, descia um fio d'água que alimentava um barreiro piscoso que nós chamávamos açude. Lá aprendi a nadar feito um peixinho. A garotada adorava tomar banho pelada, tudo na maior inocência, sem a menor ponta de malícia. Era um paraíso. Adorava pegar macaúbas, catolé, pitomba, tamarindo, puçá (jabuticaba amarela), mari, a depender da época de cada uma delas. Ainda tinha mangas de toda versidade, goiabas brancas e vermelhas, araçás, cajás, banana madura do pé, laranja doce e azeda também. Havia ainda muitas frutas silvestres como grão de galo, inharé, algaroba, ingá e outras que não me recordo no momento.

Fomos crianças felizes. Não havia luz elétrica na região. A iluminação caseira era à luz do candeeiro ou fifó. Outros, em dias especiais utilizavam a luz de velas. Estas não sujavam as nossas ventas como a fumaça dos candeeiros. Os fazendeiros mais ricos usavam os lampiões Coleman a querosene pressurizados. A gente tinha que bombar o gás de vez em quando para que a luz dele não se turvasse ou se apagasse.

Os forrós eram muito divertidos e tudo transcorria na maior ordem e mútuo respeito. Pelo menos era assim que os meus puros olhos percebiam. Os regionais eram compostos de um sanfoneiro que também era o cantor, um zabumbeiro, um pandeirista, um triangulista e um tarolista. Ainda não era conhecida a bateria por aquelas bandas. O pandeirista a chamava de endiabrada, pois desempregava três ou quatro músicos. As cantorias eram muito bem-vindas e os violeiros eram mui respeitados e gozavam de boa reputação.

Foi numa dessas cantorias na casa do coronel Rufino que conheci a Rosinha. Era um primor de menina, recatada qual ela só. Não havia beleza que se comparasse à da Rosinha. O Coronel Rufino não deixava suas filhas a se exporem. Elas ficavam na sala de visitas, enquanto a cantoria se dava no terreiro de barro bem batido.Quando nossos olhos se encontraram, mesmo à distância, foi como ouvir um sino dar fortes badaladas.

 

Continua no próximo episódio...


Ouça no Youtube QUERIDA com MOACIR FRANCO

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 06/10/2011
Reeditado em 30/11/2016
Código do texto: T3260583
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