A FEITURA DE UM MENINO.

 

 

 

Eu acho que é um conto...

 

 

 

 

Meu Deus foi muito bom eu ter nascido um menino, para agora, poder lembrar que, um dia, eu fui um menino cheio de sonhos.

Ah como é bom lembrar daquele menino que, agora, ainda brinca teimoso na minha memória.

Sabem por quê?

Porque aquele menino foi e é eterno, é ele que sustém este menino velho.

Pois, às vezes, eu até ainda brinco.

Sabem por quê?

Para satisfazer esse menino que reclama lá do fundo do meu inconsciente, desejando voltar a ser novamente um menino.

Eu entendo porque existe um menino-menino, dentro de um velho menino.

Aquele menino que ficou escondido lá no passado, era caprino, levado, capeta e endiabrado.

Era um menino sadio, assim como todos os meninos.

Mas nem todos os meninos eram assim, também havia os meninos apáticos, tristes e emonados.

Coitadinhos!

Eram meninos doentes, pobres, mal vestidos e mal alimentados.

Nós éramos proibidos de brincar com esses meninos, pois eram considerados, “más companhias”.

Meu Deus, a pobreza era tida como uma doença contagiosa.

Cruzes!

E isso acontecia mesmo!

Mas eu era desobediente.

Eu tinha amiguinhos pobres e gostava muito deles.

Interessante, eu tinha a impressão que os meninos pobres eram criados com mais amor e, portanto, mais amados.

Por isso eu gostava deles, pois eu sentia a falta daquele amor que eles demonstravam ter ou ser realmente amados.

Os meus brinquedos de menino eram brinquedos pobres, pois eu aprendi com os meninos pobres, a brincar como um verdadeiro menino.

Assim, por exemplo, um carrinho nós fazíamos de uma taboazinha e dois carretéis de linha.

Era o nosso ônibus.

Pois viajávamos no tempo e os adultos não tiravam passagens, estávamos sempre na gare dos sonhos e éramos solitários viajantes.

E era muito bom essa nossas “viagens”.

Quando chovia muito e as águas amareladas escorriam morro a baixo pelos valos, era a ocasião que eu mais gostava.

Tínhamos um valo que era a nossa verdadeira represa, na verdade, era o valo da transposição dos nossos sonhos.

E nessa represinha natural, nós os “engenheiros”, construíamos a nossa roda d’água.

Duas forquilhas bem verdinhas com um eixo da mesma madeira, e que com ele atravessávamos duas pás de casca de bananeira em forma de hélice.

Pronto!

Estava montada a nossa hidroelétrica!

E assim, orgulhosos ficávamos horas admirando o nosso projeto que respingava água para todos os lados, com aquele som característico que era mais ou menos assim:

- xilépte – xilépte – xilépte – xilépte...

Com o atracar da noite, o silêncio era apenas quebrado com o som da nossa rodinha d’água que embalava os nossos sonhos.

O verão é uma estação que foi feita por Deus, somente para os meninos. Da minha época é claro.

Queira Deus ainda existam meninos como àqueles meninos que fomos, mas que sejam livres em suas infâncias.

Aquelas carochas pretas e grandes, naturalmente envernizadas e portadoras de um ferrão na cabeça, que muito se parecia com uma foice ameaçadora, evidentemente, eram as nossas preferidas para brincar de animal de tração debaixo dos postes de luz.

Amarrávamos uma linha no ferrão e a outra ponta numa caixinha de fósforo, e assim, carregávamos areia com a nossa carocha que se transformava em carrocinha, e que com os nossos comandos, ela também arrastava os nossos sonhos.

Era lindo, porque tínhamos a oportunidade de viver os nossos sonhos, obrigatoriamente escondidos e longe dos adultos.

A vida de um menino naquele tempo, era bordada de sonhos até que, chegasse um adulto sem sonho e embrutecido, e que asperamente gritava assim:

Sai daí seu moleque!

Vai trabalhar!

Seu vadio!

Meu Deus quanta ironia!

Quanta falta de sensibilidade!

Quanta falta de amor!

Diante desses tratamentos e quando era possível, brincávamos escondidos, pois eles nos queriam transformar em adultos precoces.

Ah e por falar em brincar escondido, eu tinha um passarinho na gaiola, que vivia escondido debaixo da minha cama.

Era muito lindo, tinha o dorso azul-marinho, o peito amarelo-ouro, a cabecinha azul celeste e os dois olhinhos pretinhos.

À noite, eu ascendia uma pomboca (lamparina) e conversava com ele, lhe confidenciava os meus reclames de menino que sofria a castração de não poder brincar.

Explicava também ao meu passarinho, porque ele tinha que ficar escondido debaixo da cama – se vissem o bichinho ele seria solto e iria gostar é claro, mas o menino, por certo, iria chorar.

E o passarinho me entendia com os seus olhinhos paradinhos, brilhando e que nem piscavam.

Infelizmente, dado à impotência e ao engessamento que éramos submetidos, nos transformaram em adultos imberbes, todavia, ainda cantando com as nossas vozes brancas de meninos.

E hoje, os adultos de ontem se admiram dissimuladamente, cheios de espantos como perfeitos hipócritas saberem que existiu e não entenderem o porquê de:

Um louco de um Hitler.

Um assassino de um Stalin.

Um estúpido facínora de um Pinochet.

E um megalomaníaco conhecido por Garrastazu Médici.

Esse fascista que foi o nosso presidente, ainda está muito vivo na memória do povo brasileiro, pois não foi esquecido o seu chavão doentio, “O Brasil Médici pelo Presidente” e o famoso, “Ame-o ou deixe-o”.

Agora, aqueles que sofreram e morreram nos porões da ditadura, por certo, estão infernizando-o no espaço, se é que mereceu o mesmo espaço, o que eu duvido muito.

Com certeza, esses homens, foram meninos que não tiveram ou não deixaram ter sonhos de meninos.

Pois é no menino, que se forja o caráter do homem de amanhã.

Quem tem um sonho é mais feliz do que aquele que possui todos os fatos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eráclito Alírio da silveira
Enviado por Eráclito Alírio da silveira em 26/12/2006
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