Casa de Dona Amara
A mãe do menino desesperada subiu a serra sete vezes naquela semana à procura de folha de pé de pinhão roxo da Dona Amara. Pobre folha que murchava tão facilmente ao encostar-se ao rosto daquele infeliz de olhos inflamados e pernas sem graça.
Frio bom era aquele da serra, que fazia o menino repousar a cabeça na janela do carro junto ao lençol preferido e tolerar as duas horas de viagem ao lado da mãe vez por outra enjoada do toca fita velho.
- Meu filho, você vai ficar bom.
- Mamãe, esqueci o resto do “padre” nosso.
Ao chegar da serra, no domingo, comprou frutas no mercado para levar ao filho doente. Enquanto isso, o menino esperava em casa o tempo passar. Contava telha por telha e eram exatamente 666.
- Dona Valquiria, venda essa casa!
- Mas meu filho é doente. Ele gosta daqui.
- O senhor acha mesmo que devo vender a casa?
- Mãe! Mamãe!
- Se aquieta, Gabriel. Tô conversando com o Padre.
Aquele domingo na cidade era como o de um sertão qualquer. No fim da tarde, todos se ajuntaram na Igreja para assistir ao Padre novo, inclusive as mesmas duas velhas com um terço entre os dedos.
Naquele dia, a missa celebrava o sétimo dia de morte do bebê prematuro da irmã da mãe. Tanto esforço para engravidar e um fim tão triste desse. De longe se ouvia o choro da tia e poucos podiam ampará-la.
- Mamãe dizia que o Samuel ia viver porque Deus ia salvar ele. Mas nem viveu. Foi tão triste ver a titia descer o caixãozinho branco dele. Ela disse que ele virou anjo, o meu anjo da guarda.
Naquele momento, os amigos da escola entraram na igreja em um só passo. Por isso, o Gabriel escondeu o rosto atrás das colunas e desejou rasgar e queimar aquela roupa franciscana.
- Olha o Gabriel ali, pessoal, pagando promessa!
O menino nunca desejara tanto correr daquele lugar como naquele instante, mas as pernas nunca tiveram força. O barulho da cadeira era irritante e o fez lembrar o dia quando estiveram presas nas engrenagens.
No outro dia, cedinho preparou-se para subir a serra. Escolheu uma muda de roupa e guardou uns trocados para ajudar Dona Amara. Dona Amara era uma excelente cozinheira e sempre preparava um bom feijão antes de benzer o menino.
Eram exatamente 33 curvas até chegar ao alto da casa de Dona Amara. O frio da serra arrepiou o corpo magro de Valquiria e apressou as pernas finas em direção à sacada da casa.
- Val, o Gabriel já sabe?
- Ainda não. Ele parece tão bem agora.
- Quero morrer, quero morrer...
- Acho uma boa hora pra contar.
- Morrer, morrer...
- Gabriel, faz isso não que o cão atenta!
A faca deu voltas no ar e refletiu o rosto do menino com a madeira escura na ponta dos dedos. Foi quando o corpo mole encostou-se lentamente após a vertigem e sujou-se com o sangue escuro que escorreu por cada brecha da cadeira de rodas.
- Gabriel?
- Gabriel?