Oh...Psora! Pra que estuda?

O primeiro dia de aula. O cheiro dos lápis novos. Os cadernos sem folhas arrancadas. As tintas e canetinhas que ainda não foram usadas. A melhor roupinha para causar boa impressão e os novos amigos, que cada um deles iria conquistar. A professora, que já não era a mesma do ano passado, tem a maior cara de brava, mas em suas primeiras palavras, sabe como ser carinhosa e em outras como colocar ordem no caos da sala de aula. Sendo assim, ela lança a sua primeira questão, para aguçar a curiosidade de seus queridos alunos.

- Quero que alguém me responda a seguinte pergunta. Qual é a importância de se estudar?

O silêncio se instaurou, e os alunos se entreolharam a procura daquele que iria fornecer a resposta. Aninha, uma menina miúda de olhinhos amendoados, respondeu timidamente;

- Para conseguir um bom emprego, professora...

- Sim, Aninha. Mas não é só para isso...

Antes de a professora iniciar o seu belo discurso sobre a importância da educação. Renato, o mais revoltadinho da turma, que sempre partia contra as propostas da professora, julgando que estudar era chato demais, disse;

- Oh...Psora! Pra que estuda? Acho tudo isso muito chato...um saco... Quero saber por que tenho de estudar portugueis? – indagou Renato.

-Ora... – surpreendida com a pergunta – para aprender e compreender, se comunicar. Nossa língua materna nos permite o uso da comunicação, seja ela falada ou escrita, e essa é à base das relações em nossa sociedade...

- Sei, sei... – com uma expressão de descaso, ele continuou – e para que a matemática? É só usar a calculadora!

- Calculadora... – repetiu a professora incrédula – meu Deus, Renato! - impressionada, mas ainda calma como sempre – a matemática é importante para o aprimoramento do raciocínio lógico, e profissões que são importantes como; engenharia, física entre outras, necessitam do estudo da matemática...

- Ahã... E para que estudar História? É tudo um monte de velharia...

- Ai...ai... – os primeiros sinais de impaciência – é importante o estudo da história, pois assim, conhecemos nosso passado e nossa origem. Conheça o passado do seu povo, pois uma pátria que não conhece a sua história, esta fadada a cometer os erros do passado no futuro. Além do mais, é importante conhecer o porquê de certas coisas serem como são hoje, e a raiz de tudo, esta na história de nossa humanidade...

- Atá... E porque estudar Geografia? Para que eu preciso saber onde fica a Europa, se eu sei que nunca vou pra lá mesmo...

- Para conhecer o mundo aonde vive – respondeu prontamente - e as diferentes nações e culturas. Do clima a vegetação, onde o sol nasce e se deita, os pontos cardeais para localizar-se em qualquer lugar que estiver, entre outras coisas...

- Sei, Psora... – ainda demonstrando descaso, com cada palavra, ele continuou – e a Ciência para que serve?

- Para conhecer a si mesmo, o funcionamento do corpo humano, os seres vivos que compõem a fauna e a flora. Ensina-nos a cuidar do nosso planeta terra, suas mudanças climáticas e etc...

- Psora...na real, eu sei que num vou usa isso quando cresce. Sou preto e pobre, vou ser pedreiro que nem o meu pai, que por sinal ganha mais do que a sinhora – notou o rubor na face da professora, afinal em partes o menino, tinha razão – e além do mais, sei que vou passar de ano, mesmo sem fazer nada... – e cruzou os braços.

- Renato... – a professora suspirou, pois ouvir aquilo era doloroso, pois resumia todos os anos de estudo e preparo para receber um tapa na cara como aquele – um dia você irá precisar de tudo isso e neste dia espero que se lembre de mim. Pois eu lhe digo, que o tesouro mais precioso do mundo, é o conhecimento. O único que não se pode roubar, tomar ou comprar...

Dito isto, a professora prosseguiu a sua aula, e mesmo depois do discurso caloroso e motivador, ele pouco se importou e voltou a pichar os cadernos de folhas novas.

Renato um dia cresceu...

Escrevia errado, mal sabia se comunicar, e quando era mal compreendido, ficava irritado. Contas, somas, para que se preocupar, a calculadora resolvia, e na falta dela, os dedos ajudavam bem. Pulou de emprego em emprego, sem boas indicações, deixando para trás queixas e reclamações.

Em seu último emprego de carregador de peixes, fedia a bacalhau, e pouco ganhava de remuneração mensal. Certo dia, foi pescar em alto mar, dormiu, sem notar a tempestade que começou a se formar. Entre os raios e trovões, viu-se perdido. Com medo e aturdido, se perguntava – Como isso foi acontecer comigo?...

Uma onda vertiginosa o atingiu, o jogando no mar. E tudo escuro ficou...

Renato despertou...

Em uma ilha deserta se encontrou...

Com o sol escaldante, a areia seca, sem comida ou abrigo, estava Renato, sozinho, se ao menos ali houvesse um amigo, foi então que ele lembrou, não tinha amigos. Completamente perdido, não sabia nem por onde começar. Queria guiar-se pelo sol, mas não sabia onde era o Norte ou o Sul. Sentiu fome, não sabia nem ao menos procurar comida, que fosse um coco sequer. Dormiu ao relento, tomando o sereno da noite fria.

Sua ignorância era tamanha que até o S.O.S, ele fez errado. Pensou no sinal de fumaça, mas não sabia ao menos criar fogo. Foi então que na Epifania de Macabea, ele vislumbrou o tamanho de sua ignorância. Não sabia de nada, nem um pouco, muito menos o necessário. Talvez se tivesse estudado, não seria carregador de peixes. Se houvesse escutado as palavras pacientes e carinhosas de sua professora, iria talvez ter trilhado um caminho menos pesaroso.

Tantas coisas importantes a serem aprendidas. Tanto tempo perdido, com guerrinhas de papel e brigas mesquinhas.

E Renato, perdido em uma ilha deserta, ficou e esperou que um coco caísse dos céus, mas não caiu, tentou pescar, mas não conseguiu...

E sob o sol infernal, uma caveira sorridente, Renato se transformou...

Renato despertou de um sonho estranho, notou que havia molhado os cadernos com a saliva, enquanto todos na sala o encaravam. Assustado, pelo pesadelo imposto pela soneca fora de hora, ele pensou;

- Acho melhor eu estudar...

Taiane Gonçalves Dias
Enviado por Taiane Gonçalves Dias em 04/11/2011
Reeditado em 09/11/2011
Código do texto: T3316054
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