Zunir

Zunindo pela cozinha, minha primeira lembrança dela voando sem rumo pelos quatro cantos assim que passou pelo vitrô naquele dia estupidamente quente.

Rodou, rodou, rodou... Até que interrompeu seu vôo frenético quando, deslumbrada, entrou em um copo onde houvera suco fresco, ficou deleitando-se no açúcar e, assim que estava bastante distraída, peguei o copo com todo o cuidado e levei ate a janela e, com uma batida leve no fundo, ela saiu voando desesperada do vidro.

Tomei banho sem dar muita importância para aquele bichinho amarelado que eu havia livrado de matar, mas quando voltei para lavar a louça, quase que instantaneamente, ela entrou num rasante assustador do mesmo jeito de poucos muitos atrás, me abaixei por instinto acompanhando os movimentos sem trajetória do teto ao chão me deixando no meio do tropel, então, sem nenhum motivo aparente, ela se afundou num copo cheio de água que esperava lavagem sobre a pia. Ergui-me apressada para ajudá-la, virei o copo libertando-a do liquido e fiquei observando cautelosa e ansiosa suas perninhas se agitando enquanto, aos poucos, se recuperava e saia voando pela cozinha até adentrar mais um copo.

Não é possível! Que bicho mais burro! Será que nunca vai aprender que dentro de copos não é seu lugar?

Peguei o sabão líquido e transparente sobre a pia e virei três gotas sobre ela, afim de ensinar-lhe os perigos daquele recipiente de uma vez por todas, mas ela começou a debater-se demais, seu ritmo cada vez mais furioso me fez virar o copo dentro da cuba e tentar tirar todo aquele material viscoso de seu corpo, mas em poucos segundos ela parou de se mover, inerte e envolta na espuma e nos pratos me fez refletir sobre minha estupidez. Ela era só um animalzinho indefeso que fazia seu trabalho pelo bem de sua espécie e, mesmo que fosse imprudente, ela não era racional o suficiente para que eu tivesse o direito de ensinar-lhe algo ou matá-la com isso.

A tarde correu e esses pensamentos se arrastaram através do dia e, vez em quando, eu olhava para a pia desejando profundamente que aquele corpinho não estivesse mais destacado sobre o alumínio, esperando que qualquer milagre reparasse aquele erro irreparável.

Já era noite quando entendi que ela não sairia dali por si só e que merecia dignidade longe dos talheres sujos.

Peguei o vaso de violetas sobre o batente da janela e me aproximei do local de meu crime, coloquei a planta perto da torneira e revolvi um pedaço de terra, deixando uma parte mais funda, com a ponta das unhas encaixei aquele ser tão pequeno perto das raízes daquela plantinha sem flores, ocultando-a entre as folhas macias e escuras.

Voltei o vaso à janela e torço para que na primavera, as flores lilases consolem nossos corações.

Thaina Chamelet
Enviado por Thaina Chamelet em 06/11/2011
Código do texto: T3319645
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