O DRAMA DA POETISA

Suzana está parada diante do computador. Quer escrever um poema. As amigas juram que ela é uma poetisa nata. Ela não está certa, nunca esteve. Mas de tanto elas insistirem acabou se rendendo ao titulo de poetisa. Começa com uma palavra simples: Dor. Para, pensa um pouco, fica esperando a próxima palavra. O próximo passo da construção perfeita. Imagina as rimas, as estrofes, tem um esqueminha montado na mente, mas falta a tal segunda palavra.

Ela minimiza o word. Vai dar uma olhadinha nas mensagens do Orkut. Como de costume o sistema dá uma mensagem de Out of service. Ela resmunga, diz que odeia o orkut, mas tenta novamente até conseguir entrar nas comunidades das quais é membro. Enquanto posta mensagens, pensa na segunda palavra para o poema. Nada vem à sua mente. Pensa em desistir, mas resiste bravamente. Então olha para a mesinha onde está a televisão, por um instante resiste e não a liga, até que acaba cedendo à fraqueza e decide assistir ao programa do Jô.

Não olha diretamente para a tela, olha para o lado. Olha para ele! Ela respira forte. Fecha os olhos pensa na maldita palavra que não vem. Olha para ele, esta com desejo. Muito desejo. Esta quase excitada. Ele continua ali parado indiferente. Como se ela não significasse nada.

_ Eu te odeio- Diz ela sussurrando e olhando fixamente para ele.

Estica o braço e o toca. Sente um arrepio percorrer por todo o corpo. Com a unha pontuda do dedo indicador arranha ele bem de leve, como se quisesse provocá-lo. Mas ele não reage nem por um instante. Ela retira a mão do objeto do desejo e volta a se concentrar na tela do computador. Os E-mails esperados não chegaram. Ela faz cara de menina decepcionada que não ganhou aquela boneca esperada no natal. Ele friamente a ignora. Ela pensa na palavra para seu poema. Dá um CTRL T como se houvesse uma página inteira preenchida, toca levemente o DELETE, não resiste e apaga a palavra DOR. Mas logo muda de idéia, conduz o mouse até a setinha mágica e volta.

Diante da tela do computador: Dor. A segunda palavra, a palavra mágica que virá salvá-la não vem. Ela olha para ele novamente. Ele está irresistível de azul. Ela se levanta, aproxima-se dele, toca-o com o desejo ardente de mulher carente que precisa muito dele. Ele simplesmente a ignora. Ela vai até o banheiro. Olha-se no espelho por um longo tempo. Imagina mil coisas, coisas belas e feias. Mas nenhuma palavra vem à mente. Somente a dor permanece escancarada na tela do computador. Não era poetisa. Era uma pobre mulher, morrendo de desejo, que era descaradamente ignorada. Ela molha o rosto. Jura que vai ser forte. Abre o chuveiro e, por um minuto exato, deixa a água cair sobre seus cabelos longos e negros. Enxuga parcialmente os cabelos e volta para o quarto.

Ela pára diante da tv. Um filme que ela não sabe o nome está passando. O tempo passou rápido. Os E-mails esperados não chegaram. A palavra salvadora não veio. O desejo ainda era incontrolável. Uma necessidade suprema de se entregar a ele invadia seu corpo. Deu uma mordida de leve no lábio inferior. Sentiu-se submissa, meretriz, escrava do seu desejo sórdido. Agarrou-o com toda a força de seu desejo. Puxou para fora um cigarro e o acendeu. Soltou a fumaça para o ar com uma sensação mista de derrota e vitória, colocou o maço de cigarros de volta na mesinha. Não com o cuidado anterior, mas com o desprezo de quem vive enclausurada entre o amor e o ódio:

_ Eu te odeio! Mas você me escraviza! - disse ela ao maço maléfico que tanto a perturbava.

Só então percebeu que as palavras vinham juntas com a fumaça que ela inalava. E recomeçou o poema: DOR EU TE ODEIO! MAS VOCÊ ME ESCRAVIZA

Valmetal
Enviado por Valmetal em 02/01/2007
Reeditado em 07/01/2013
Código do texto: T334574
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