Diva

Diva saiu da loja com um sorriso satisfeito estampado no rosto. No auge dos seus trinta anos, separada e morando com os pais, Diva apenas assentia quando os amigos, colegas, conhecidos e curiosos de plantão lhe diziam que ao menos não havia tido filhos. “Pelo menos não tiveram filhos”. Ela sorria de volta, mesmo que no fundo, no fundo, desejasse desesperadamente ter tido filhos.

Bem, naquele dia quente e seco de primavera, ela apenas caminhava pelas ruas centrais da sua cidade, orgulhosa por ter achado um modelito ideal para a festa de final de ano do trabalho. Cetim vermelho. “Aha! Ninguém diria que era ela, a quieta e taciturna Diva!”

Tamborilando os dedos longos no volante do carro, seguiu a impiedosa Diva pelas vias expressas. Sua mente girava em mil possibilidades: a festa seria fantástica, ela encontraria um lindo homem solteiro, alguns anos mais velho que ela e de bom gosto que a chamaria para dançar pelos salões enquanto as colegas morreriam de inveja.

Diva estava flutuando!

Pode ter sido por conta desses pensamentos que ela não viu o C3 a cortando pela direita, e talvez por isso também tenha seguido seu trajeto de sempre (cortando à direita no trevo das velhas árvores) e talvez, talvez por isso, Diva tenha se arrebentado com o carro prateado que a ladeava naquele momento.

Quando viu o retrovisor, não havia tempo para mais nada. Os carros chocaram-se e cada um se deslocou no sentido contrário até que o Gol de Diva parou no meio da pista e o C3 entre as plantas do canteiro central da avenida. O trânsito parou, mas antes algumas buzinadas e freadas foram dadas. Alguns xingamentos também foram gritados, mas ela não viu nada disso. Somente sentiu o coração disparar e enterrou os pés nos freios do carro e viu seu mundo girar.

A última coisa que Diva viu antes de desmaiar, foi seu lindo vestido vermelho revolver dentro do carro e sair pela janela do passageiro. “Não!” – teria gritado, se não estivesse tão assustada com a situação e ocupada freando um carro sem controle...

Os sons das ambulâncias eram algo realmente irritante para Diva,

desde que era uma criança no interior do Estado. Mas quando começou a ouvir as sirenes, a princípio sons distorcidos e longínquos que aumentavam à medida que sua consciência ia retornando, ela começou a sentir-se feliz. Estava viva afinal.

E teria uma segunda chance! Ahhh. Diva pensava nisso quando seus olhos começaram a focar os homens de uniforme que se debruçavam sobre ela, ofuscados pela incrível luminosidade do sol poente. Eles falavam com ela, absurdamente aflitos! Aqueles homens estavam realmente preocupados com alguma coisa, mas Diva simplesmente não compreendia nada.

Ela sorria de volta e tentava dizer que estava tudo bem. Parecia não surtir efeito...

Então, enquanto trabalhavam no problema que parecia ter sua perna esquerda, ela pensou e pensou e tentou apenas se livrar daqueles lindos pensamentos que envolviam o recomeço de sua vida e tentar concentrar suas forças na situação em que se envolvera.

Mas os pensamentos a invadiam de uma forma tão vívida! Iria amar, sem esperar amor em retribuição! Iria adotar uma criança abandonada e começar o mestrado que tanto sonhara em fazer. Iria fazer a tão almejada piscina em sua casa e chamar os velhos amigos para churrascos de domingo. Iria tirar sua mãe da clínica para idosos... Ah, Diva estava plena e precisava que todos entendessem aquilo!

Um dos homens voltou a se comunicar com ela, certificou o colar cervical e fez gestos. Diva finalmente ouviu sua voz gentil e galante:

- Senhorita Diva, está especialmente bela nesta tarde! Queria eu pode dispor de tão encantadora companhia em todas as tardes que meu trabalho me força a fazer pelas ruas de nossa maravilhosa cidade!

Diva se extasiava com o homem. Mas definitivamente não era o que precisava no momento. Era até bem apessoado, mas ela realmente não estava interessada. Ficou até um pouco constrangida de inicio, mas decidiu pôr fim àquilo antes que causasse qualquer mágoa ao coração do jovem que a socorria...

_ Oh, é muito gentil, muito, muito mesmo! Mas eu realmente não poderia retribuir tal sentimento... Sinto muito, mas agradeço, de verdade. – E sorriu.

Engraçado que um saía e outro vinha imediatamente! E muitos deles permaneciam num ponto em que ela não os via, pareciam trabalhar duro com alguma coisa que envolvia algo muito próximo dela.

Mas Diva foi enfática com todos eles.

Sua nova vida não teria espaço para nenhuma aventura amorosa, não daquele tipo!

E o sol se pôs finalmente. E também, por fim, levaram Diva ao hospital.

E Diva perdeu realmente sua perna esquerda e voltou à realidade, saindo de seus delírios três dias depois...

Ainda ficou alguns dias sob cuidados de enfermeiros mal-agradecidos e ao lado de uma senhora calva muito inconveniente, que tinha espasmos o tempo todo...

_ Por Deus! Ninguém consegue calar esta mulher!

Diva voltou para sua casa e viu que na varanda pairava um pacote endereçado à ela. Devia ter sido molhado pela chuva que caiu na cidade na noite anterior, pois estava manchado e enrugado.

Ela apenas não esperava ver o vestido vermelho dentro dele, um pouco manchado, mas intacto.

Dentro de casa ela deteve-se por um tempo em frente ao espelho da sala e olhou para o coto da perna. E deixou que as lágrimas rolassem sobre o vestido que segurava no colo...

Alessandra Vasconcelos
Enviado por Alessandra Vasconcelos em 22/11/2011
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