Chamas

Ele abriu a caixa, olhou por alguns segundos e depois a virou sobre as chamas a nossa frente

Fiquei olhando pra ele, mas ele encarava as chamas com os olhos rasos, parecia que iria chorar a qualquer momento ou se lançar ao fogo para retomar o que acabara de jogar.

Congelei por alguns segundos, sentada no gramado ao lado da casa que um dia fora de meus pais e que agora me abrigava meio precariamente.

Fiquei com meu bolo de papeis na mão, esperando que algo acontecesse.

Levantei-me e fui a ele, toquei seu braço e lhe estendi as cartas.

Ele me olhou confuso.

- Quero que meu passado queime junto com o seu de uma vez.

- Então, as jogue.

- Não consigo...

- Por quê?

- É mais forte do que eu.

Ele voltou a olhar o fogo

- Você não precisa fazer isso se não quiser...

- Faça, por favor, nada mais justo que meu futuro queimar meu passado.

Ele não tomou as cartas de minha mão, apenas me beijou do modo mais suave que podia, foram segundos que pareciam minha eternidade. Sentia o calor das labaredas baixas ao meu lado e o calor dos braços em meu corpo, ele recostou a testa na minha, respirávamos juntos, meu coração havia acelerado e podia jurar que o dele agora batida no mesmo compasso do meu, como se as chamas deixassem meu corpo todo em brasa.

Meus dedos foram soltando o papel ate que quando minhas mãos foram a sua nuca, estavam leves, sem nenhuma lembrança entre os dedos, eles agora se entrelaçavam no cabelo dele.

As labaredas iam consumindo os papéis, as palavras gastas, os perfumes impressos e o cheiro da fumaça ia liberando uma estranha liberdade, cheiro de esperança.

E ficamos ali nos deliciando de nós, admirando tudo queimar, deixando as lembranças ficarem como o passado, queimadas, feias e sem um modo de retorno. Estava na hora de viver de novo, de ser o presente, de fazer o futuro.

O fogo continuou crepitando e fomos abraçados para dentro de casa, naquela noite quente de verão.

Thaina Chamelet
Enviado por Thaina Chamelet em 29/11/2011
Código do texto: T3363750
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