encruzilhada

Para de me cutucar troço, esse menino é chato. Vai lá pra dentro menino, me da um pouco de sossego. . Se não der atenção fica amuado o dia todo. Nossa, senhora. Vou sair, não agüento mais isso não. Calor danado, meu Deus. Tomara que chove esse mês. Olha só... Que tristeza nesse céu. Não tem uma nuvem sequer. Chega da medo na gente.

Parece o ano passado . Perdemos toda a plantação. Compadre Manchinha chorava igual criança. Reclamando de Deus. Creio deus pai, os nomes que ela xingava, eu não faço isso. Se é vontade de Deus temos que acatar. Mas mesmo asssim fiquei com pena. Perder tudo daquele jeito. Nem pode mandar o dinheiro pra filha na capital. É um orgulho com aquela filha. O que ficou Mal dava pra comer. Corria aqui e ali, pra ver se conseguia qualquer coisa. Uma humilhação. E esse ano ta prometendo estiagem longa de novo.

E as latas de água na cabeça. Água imunda de lama. Tomara que não chegue . Olha o sol como está? Vermelhão. . Não vê um passarinho no alto, lembra como era antigamente? Bonito, de manha o barulho deles, agora esse secura toda, chega da agonia . O menino ontem perguntou se nunca mais chover como seria? Não soube o que responder. Esses bicho mete medo na gente com as perguntas deles.

Ainda tem água no poço, ainda bem. Daqui a pouco vou pegar pra encher os potes. Está um limo no fundo, precisa ver. Mas nem vou lavar, uma canceira braba, roça acaba com a gente. . Amanha vai ter festa na casa de Otacílio, você vai? To querendo ir, dizem que vai ser uma festança. A filha mais velha dele voltou. Deu certo o casamento não. O velho de raiva trouxe ela de volta. Fica lá sentada o dia todo sem fazer nada olhando pras mangas. Uma tristeza sem fim. Também, coitada. Uma festança daquela e não conseguiu segurar o homem. Orgulho ferido, só pode ser.

Gosto daquela séde. Sempre que vou lá da vontade de ficar. Pintou os mourão de arredor, de branco, precisa ver como ficou. Idéia do velho, quer continuar as coisas. Se não fossei ele isso aqui já tinha acabado. So filhos tudo besta. Não serve pra nada. Eu Também já teria partido. No dia que ele morrer vou embora desse lugar. A vida toda aqui, sem nada mais pra aprender. Sabe, sei tudo daqui, tudo, qualquer coisa que se faz aqui já fiz, conheço cada pedacinho da fazenda. Esses pé de pau, quase todos vi pequeno. As ingazeiras do rio, sabe, aquelas da cabeceira, quando criança não tinha nada ali, so um descampado cheio de capoeira. A gente corria tudo montado tangendo as vacas no final da tarde. Acendia uma fogueira depois. Aguardente do bom, seu Tio Antonio só tomava temperada de erva-doce. E gente ficava ali conversando até alta horas. Só nós e as corujas no meio do tempo. Depois foi se acabando, hoje é mais uma saudade que uma fazenda. E essa seca que cada ano fica pior. Aquele lado ali tinha a casa dos trabalhadores, era muitos, gente de tudo quanto é lugar do estado. Quase casei com uma cabloquinha que ficou aqui uns tempos. Deu uma confusão, até o velho quis deitar com ela. Ai foi se esfriando. Amor é assim, NE se não coloca lenha sobra fumaça. Emprenhou de Zé Benedito e depois sumiu com ele na lapa do mundo. Deixou saudade viu. Dona Nila descobriu. Tem um ciúmes dele. Mas na época tava inteirão ainda. Ela que sempre foi acabada, por isso que corria vigiando ele em todo lugar. Ele nunca prestou. Sempre teve umas duas ou três aqui pra brincar. Só os mais chegada sabia dessas historias. Mas essa foi a pior porque tirou ele das estribeiras. Ainda bem que Zé assumiu e escafedeu com ela, senão ia dar merda demais.

Toda minha família está enterrada aqui. Pai no fundo, pertinho das carneiras dos Elcides, logo depois, mãe, na entrada, embaixinho do pé de cajá. Tem menino que come aquilo, deus que me livre, fruta de cemitério. Eu tenho um nojo danado. E logo na saída do outro lado meus tios Ambrosino e Zé Manso, e meu irmão Tomé, nem sei onde é. Quando choveu forte um ano levaram todas as cruzes. Misturou tudo. Deu um remorso. Nem sei se é pecado perder tumba de gente.

Acho que estou ficando doente, uma dor de garganta. Logo esse dias que tem coisa boa pra vim, estou de olho na filha do velho. Aproveitar que agora ela esta solteira. Esse povo tem muito dinheiro ainda. E tá bonita . Dá pro gasto. Bem que já não ligo muito pra beleza. Quando era novo so queria mulher de trato. Agora, estou desanimado com isso. Mas vou dizer umas coisas pra ela na festa. Deve estar carente e sei que a maioria dos homens daqui tem medo de conversar com ela, vou achegar, nem sei o que vai ser. Se ela gostar de mim converso com o velho. Ele sempre gostou de mim, já quebrei muito galho pra ele. Lembra na época da política quando Edvaldo Coelho ganhou? Andei essas fazendas tudo aqui da vizinhança pedido voto, casa por casa. Levei até braçada de inimigo. E muitas outras vezes. Nunca disse um não pra ele. É como um pai, quando meninote passava o dia todo na sede, fazendo recado, ou cuidando do cavalo dele. O Brancão, lembra, você era muito pequeno. Quando ia pra cidade gritava lá de dentro. Prepara brancão que vou sair. Aquilo me dava um orgulho. Os outros ficava com inveja. Mas conquistei a confiança dele. O animal era limpo todo dia e penteado. Dava gosto de cuidar.

Fazia muita companhia pra aquele filho adotivo dele. Eduardinho, que naquela época não era esse nojento que é hoje, estudou e ficou besta. É veterinário mas não sabe tirar um carrapato de uma vaca. Dinheiro desperdiçado. Só serviu pra ele se sentir melhor do que os outros. Nem conversa eu dou. Gente mesquinha, quero distancia.

Foi nesse tempo que me apaixonei por Carlitinha. Sabe que dava a hora de acordar até de novo era conversando. Sobre tudo. A menina era de uma esperteza. Depois foi pra salvador, e descobriu esse noivo lá. Atrapalhou todo o estudo. Queria ser médica, não agüentou dois anos da escola. Tem que ter muita fibra pra se formar numa escola dessas. Vai pra lá e se envolve com vagabundo. Mas sempre que voltava não deixava de passar aqui em casa e trocar um dedinho de prosa. Mas ai a moça ficou bem cuidada de mais, e isso me arrebentava todo, não tinha mais o que falar. Agora que ela veio vamos ver o que dá. Não me viu ainda, não compreendo muito das coisas, mas nem me importo, espero que já esteja bem desiludida como essa gente da cidade . Chegou com tanta mala. A mulatinha da cozinha disse que chora o dia todo. Mulher largada é um peso de agüentar. Olá um anum, mal agoro. Nunca mais tinha visto um por aqui. Sabe que o bico serve pra fazer encanto pra pegar mulher. É só torrar o bico e jogar o pozinho no vestido da requerida. É de lá e de cá. Funciona. Se tivesse chumbo ia dar uns tiro pra ver se acerto. Que dor nos espinhaço. Estou aqui conversando e com um monte de coisa pra fazer lá dentro, trouxe dois cassoar de milho, os porco da tudo doido pra comer. Amanha vou matar um leitãozinho se quiser vim almoçar, traz a comadre, a tia vai gostar, faz tempo que reclama que ninguém visita...e aquele dinheirinho que me emprestou vou pagar no final do mês. S estou esperando o pagamento de uma novilha que vendi, não pense que esqueci. Ajudou muito. Vou entrando. Se for na festa vai ver eu conversando com Carlitinha. Tomara que dá certo. Abraço,

Ariano Monteiro
Enviado por Ariano Monteiro em 16/12/2011
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