Três Segundos

O rosto dela tinha uma coloração estranha, um misto de ansiedade e medo, uma animação sem explicação, mas muitos motivos. Mexia nas mãos com mais força e freqüência do que necessário e ao seu lado um garoto quase que em silencio, pontuando e falando bem menos do que a menina, seu rosto parecia nervoso como se temesse os momentos a seguir. Seguiram para dentro do ônibus através do estreito corredor passando sem olhar para os poucos passageiros. Sentaram-se no ultimo banco quase que isolados, ela continuou falando, querendo que ele nunca dissesse o que já sabia que era inevitável, ele seguiu esse ritmo, falaram o caminho todo, mas aos olhos dela, havia momentos de silencio tão longos que entregavam a tentativa mórbida de esquecer o propósito daquele encontro.

Já quase no ponto onde ele desceria, ela olhou profundamente nos olhos dele, esquecendo por instantes o que viria a seguir, era uma dança quase ensaiada, pelo menos para ela que havia visto e revisto todas as ações e até os pensamentos que teria nas noites da semana toda, noites tão longas, tão pesadas... Assim que soube que ele estava atento em sua voz, perguntou-lhe o que ele queria dizer. Ele desviou os olhos e pediu para que ela parasse de encará-lo, ele sabia o quanto aquilo doía, aqueles olhos só dificultavam tudo. E foi então que com um tom falsamente casual ele disse que seria melhor colocar um fim naquela história. A menina poderia ter dito qualquer coisa, mas optou por aceitar o abraço dele, fazia parte do ensaio, ficar em silencio e rezar para que acabasse antes de ela não suportar mais e chorar feito uma criança perdida dos pais. Ele se afastou um pouco e a beijou uma ultima vez, toda a crença no amor estava naquele ultimo toque, um desespero de intensidade tão grande que nem todo o tempo do mundo poderia amenizar.

E o ônibus parou depois de ele dar sinal, deu-lhe um ultimo abraço e desceu pelos três degraus.

Três míseros segundos separaram o que foi do que poderia ter sido.

Ela levantou rápido, puxando a bolsa e o casaco precariamente quase se jogando enquanto a porta terminava de fechar, não caiu por um milagre e se deparou com aquele olhar, ele lhe indagou contrariado o que estava fazendo, mas ela simplesmente disse que não poderia seguir em frente sem ele, que não conhecia o caminho que os separava e que não iria sair dali sem que tudo fosse acertado. Ele a abraçou, beijou seus cabelos e sua boca com toda a paixão que reprimiram na despedida e disse que jamais conseguiria cometer aquele erro novamente.

Três infinitos segundos separaram o que foi do que poderia ter sido.

O ônibus voltou a andar, e no fundo a garota menor do que antes seguiu no caminho, prestando atenção no ar que entrava e saia daquele peito agora solitário, sabendo que lembraria e lamentaria ter seguido tão bem o ensaio da noite passada, sabendo que só havia encontrado-o não para ouvir aquelas palavras, mas sim, para vê-lo uma ultima vez.

E se fechar os olhos pode voltar agora mesmo para aqueles três segundos do seu passado que determinaram seguir um caminho paralelo ou perpendicular ao dele, que determinaram se viveria para o passado ou o futuro.

Thaina Chamelet
Enviado por Thaina Chamelet em 24/12/2011
Código do texto: T3404081
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