PARA SEMPRE (O VALOR DE UMA AMIZADE)

Eu tinha os olhos incrivelmente cheios de lágrimas. Não consegui conter a emoção com a cena que eu presenciava.

__ Olha, minha pedra fez uma onda muito mais maior que a sua!

__ É, mas a minha foi muito mais longe. Caiu lá no meio da lagoa!

Ernesto e Orlando estavam sentados durante suas férias às margens da Lagoa dos Eucaliptos, na beira de uma estrada de terra antiga, próximo à cidade. Todos os dias pegam suas bicicletas depois do almoço e vão dar um passeio por lá. Os dois são amigos de escola e estão sempre saindo juntos e dando voltas nos arredores da pequena Areado do Sul. Era ali que os meninos sonhavam alto, tal qual as nuvens do céu. Ficavam horas sentados à beira da lagoa jogando pedras e observando as ondas que se formavam no espelho d’água, disputando quem conseguia as maiores ondas. Entre uma pedra e outra, uma caso, uma confidência, um abraço, uma pedra. O lago deve ter um piso de pedras jogadas pelos garotos desde sua infância que daria para construir um grande estádio de futebol.

__ Orlando, dizia depois de uma pedra grande na água, olha lá que ondão que eu fiz.

Depois de uns instantes de silêncio enquanto se podia ouvir o canto dos pássaros e um silêncio profundo, continuou:

__ Minha mãe falou que vai me mandar pra capital, que eu tenho que estudar pra ser doutor advogado, como papai.

__ Ah Ernesto, disse o amigo jogando uma pedra ainda maior e se admirando da super onda, minha mãe disse que eu vou ficar aqui mesmo. Sabe como é né amigo, meu pai morreu o ano passado e a gente ainda não conseguiu juntar dinheiro pra eu poder continuar estudando. Acho que vou ficar por aqui mesmo, cuidar de mamãe e do meu irmãozinho.

__ Vai nada, claro que você vai comigo! Eu nunca vou lhe abandonar, você é meu maior amigo. Eu não saberia viver sem você por perto. Mesmo quando eu casar, você vai morar perto de mim e têm que ir a minha casa todos os dias.

Orlando sorria um belo sorriso de gratidão pelo carinho do amigo sonhador. Ernesto sempre sonhava mais alto que as nuvens e o menino pobre tinha os pés mais firmes na terra, porque conhecia seus limites.

__ Que nada, quando a gente crescer Ernesto, cada um vai ter filhos e vai ter muito trabalho pela frente.

__ Não Orlando, continuava o amigo, a gente nunca vai deixar de ser amigo e nunca vai se separar. Toma, disse levantando-se e segurando uma pedra arredondada, guarda essa pedra como símbolo de nossa amizade. Essa nunca vai para a lagoa.

Orlando pegou a pedra e guardou-a no bolso. Repetiu o gesto do amigo e deu a ele uma pedra parecida. As pedras faziam parte de suas infâncias. Eram atiradas na lagoa entre muitas conversas, e aquela pedra da amizade cada um levou para sua casa, como algo sagrado.

Continuaram os sonhos. Aquele dia fazia um sol forte. Da beira da lagoa os meninos viam a cidade, que ficava no alto de um conjunto de colinas. Eles olhavam e viam a imponente Igreja de São Francisco, com suas duas belas torres e o casario que circundava a matriz. Do outro lado da margem se via a estrada de terra, saída única do município, que cortava as colinas de vegetação exuberante e se podia ver até o pé da Serra do Areado, lá longe no horizonte. E pela frente de onde eles se assentavam, os eucaliptos davam um charme a mais na pequena lagoa, emoldurando-a.

__ Ernesto, mesmo se eu não for pra capital com você, promete que nunca vai se esquecer de mim, e deixa eu guardar sua bicicleta pra você.

__ Que bobagem é essa Orlando, nós vamos juntos sim, e minha bicicleta vai ficar na sua casa, pra gente dar voltas e voltar aqui em todas as férias.

Era já o segundo semestre, e as conversas sobre a mudança de Ernesto se intensificava. Orlando não iria, claro, não tinha dinheiro para tanto. O sol ia se pondo e os meninos perceberam que já era tarde e que deviam já estar em casa naquela hora. Aquele fora o melhor dia de suas amizades. Foram muitos sonhos e planos, e também juras de eterna amizade. Pegaram as bicicletas e rumaram rápido para a cidade. Estranharam o dobre de defuntos do sino da igreja. Quem teria morrido? Na pequena Areado era assim que se faziam os comunicados. Entrando na cidade viram várias senhoras chorando e ficaram assustados. Afinal quem partira deixara muitos com saudade. Em casa de Ernesto, o rádio repetia insistentemente: O presidente da República suicidou-se hoje no Palácio do Catete...

Os meninos pouco entendiam do assunto, mas ficaram comovidos com o choro de tantos, que Orlando até deixou cair uma lágrima ao ver sua mãe chorando a morte do homem mais importante do país.

Chegou o fim do ano, Ernesto passou as últimas férias à beira do lago com o amigo e partiu. Voltava sempre, e sempre andavam juntos nas suas bicicletas. Foi assim por vários anos. Orlando casou-se em Areado mesmo, tem dois filhos e virou mecânico de automóveis. Ernesto também se casou, com quatro filhos e realizou o sonho de ser doutor Advogado. Ele mora na capital, nunca mais voltou a viver em Areado. Mesmo com o passar dos anos, sempre visitava a Lagoa com o amigo. Ano passado, já com mais de cinquenta anos, os dois fizeram a última ida ao lugar da infância. Jogaram pedras na água e sorriram feito meninos.

Minhas lágrimas agora viraram um pranto incontrolável. Orlando ia conversando com Ernesto, ora cantava uma canção antiga, e a certa altura pediu para ficar a sós com o amigo naquele leito, ligado ao aparelho de respiração. Como enfermeira, havia sido designada para ficar todo o tempo observando Ernesto, já agonizante. Ouvi inúmeras histórias que o amigo contava ao ouvido do outro, com um sorriso no rosto, forçado talvez. Foi quando Ernesto virou-se e encarou o amigo nos olhos, fixamente, e sorriu. Orlando tirou do bolso uma pedra, beijou-a, abriu as mãos do amigo, colocou-a na palma da mão dele e fechou-a com as suas. Ernesto sorria e deixou correr uma lágrima em seus olhos já vidrados.

Foi assim, de mãos dadas ao eterno amigo, que Ernesto fechou os olhos para certamente abri-los no paraíso.

LUCAS FERREIRA MG
Enviado por LUCAS FERREIRA MG em 29/12/2011
Código do texto: T3412471
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